Para analistas, modelo da Nestlé dá sinais de desgaste

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A exemplo das montanhas suíças que emolduram sua sede em Vevey, uma cidade pequena à beira do Lago Genebra, a fama da Nestlé é de solidez e persistência. Ela é o protótipo da indústria de consumo, ao produzir cereais infantis nos últimos 146 anos, Nescafé há 75 anos e caldos Maggi há mais de 65 anos.

Os investidores estão acostumados ao desempenho acima da média da Nestlé, puxado por sua promessa de promover um crescimento orgânico anual de 5% a 6% - obteve 5,9% no ano passado.

Mas o modelo Nestlé começou a dar sinais de desgaste este ano. As vendas desaceleraram e as margens de lucro se harmonizam com a média do setor, de cerca de 16%, em vez de superá-la.

"Uma sucessão de trimestres mornos levou à preocupação generalizada de que estão se formando problemas estruturais nos negócios da Nestlé", advertiu Jeremy Fialko, analista da Redburn.

Os mercados refletiram essa mudança. Três anos atrás, os papéis da Nestlé eram negociados com um ágio de 10% em relação aos da arquirrival Unilever. Atualmente as ações das duas empresas estão equiparadas - ambas são avaliadas em cerca de 18 vezes os lucros do ano que vem.

Em entrevista ao "Financial Times", Paul Bulcke, CEO do grupo, reconheceu que a diferença tinha se reduzido. Mas insistiu que isso se deveu mais ao "melhor trabalho" das concorrentes do que a falhas do modelo da Nestlé.

O porte da Nestlé faz com que sua meta de crescimento de vendas seja mais difícil de obter. Ela é 1,5 vez maior que a PepsiCo e tem o dobro do tamanho da Coca-Cola - respectivamente a segunda e terceira maiores empresas mundiais de alimentos e bebidas -, com base nas vendas do ano passado da Nestlé, de 92 bilhões de francos suíços (US$ 101 bilhões).

Alguns analistas dizem que, para reconquistar sua vantagem, a Nestlé precisa intensificar seu foco em negócios de maiores margens.

"Nos últimos 10 anos, o sucesso da Nestlé decorreu do aumento da eficiência e da expansão geográfica", diz o analista David Hayes, da Nomura. "Mas agora está chegando a um ponto mais limitado de crescimento nessas duas frentes; por isso faz sentido diversificar."

Bulcke reconheceu em agosto o desempenho aquém do esperado registrado pela Nestlé, ao dizer que venderia divisões com dificuldades e enxugaria mais os ativos da Nestlé. A primeira divisão retardatária foi vendida - com prejuízo - em novembro para uma firma de "private equity" americana. Mas a divisão de produtos para perda de peso Jenny Craig deveria ter caído como luva ao mantra corporativo "nutrição, saúde e bem-estar", assim como a de refeições prontas de baixas calorias Lean Cuisine, e a de energéticos para a prática de esportes Power Bar. Bulcke diz que o segmento de perda de peso não está no "DNA" do grupo, mas defende a compra da Jenny Craig, sete anos atrás. "São tantos os novos produtos que estamos testando, esse é o forte de uma empresa como a nossa. Não desistimos de pôr as coisas à prova."

Ele está ansioso por impulsionar os experimentos da Nestlé na área de ciências da saúde, negócio que vislumbra como a "segunda perna" da empresa, ao lado da de alimentos. Como parte dessa visão, a Nestlé está investindo 500 milhões de francos suíços ao longo de 10 anos em seu Instituto de Ciências da Saúde, inaugurado no ano passado, com foco na criação de produtos específicos para portadores de diabetes, obesidade ou doenças cardiovasculares.

É difícil avaliar as dimensões exatas das oportunidades nessa área, diz o analista David Hayes, já que esse campo é relativamente novo. No entanto, ingressar em áreas de margens maiores faz sentido, acrescenta. O analista Robert Dickinson, do Citi, tem opinião semelhante. "Se há alguém bem-posicionado para fazer isso, é a Nestlé, por seu porte e seus recursos. Embora empresas como a Fresenius e a Danone tenham algum movimento, o mercado de 'alimentos médicos' é muito fragmentado. Portanto, há muito espaço para crescer, e as margens, além disso, serão boas."

Bulcke não economiza palavras quando se trata de defender a Nestlé contra acusações de hipocrisia ao se descrever como uma empresa de saúde e bem-estar, em vista de sua dependência das vendas de chocolate, pizza, café e refeições prontas. "Acreditamos em oferecer às pessoas escolhas mais saborosas e saudáveis em bebidas e alimentos. Sabemos que as pessoas comem chocolates, às vezes pizzas... Uma companhia como a nossa, com pesquisa e desenvolvimento, pode realmente ser importante no fornecimento de respostas sobre como eliminar as gorduras trans, como reduzir o sódio do sal. Portanto, certamente faço parte da vida das pessoas."

Ele descreve os relatos de que a Nestlé tentou comprar a Ferrero, a fabricante italiana de chocolates de controle familiar, como "muita conversa". "Às vezes fico surpreso com a criatividade das pessoas." E Bulcke também está de boca fechada sobre as intenções da Nestlé sobre sua participação de 29% na L'Oréal da França. "Quando houver uma nova dimensão, diremos o que tivermos que dizer."

Por enquanto, parece que a Nestlé não conseguirá cumprir sua meta de crescimento das vendas de 5% a 6% para este ano - pela primeira vez desde 2009, período agudo da recessão.

"Não estamos entrando naquele estado de nervosismo a cada trimestre", diz Bulcke, que sustenta o crescimento de "aproximadamente" 5% das vendas, após a alta de 4,4% nos primeiros nove meses do ano. "Não dá para comandar uma companhia de 340 mil funcionários espalhados pelo mundo com base em um décimo ou dois, de modo que estou totalmente tranquilo quanto a isso. Temos uma consistência ao longo do tempo... Tenho certeza de que com o tempo, continuaremos com esse ritmo de 5% a 6%."




Veículo: Valor Econômico


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