Rússia barra compra de alimentos de EUA e UE e beneficia Brasil

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Por Gregory L. White e Laurence Norman | The Wall Street Journal, Moscou



O presidente russo, Vladimir Putin, reagiu ontem às sanções ocidentais proibindo importações de alimentos e outros produtos de países que impuseram restrições à Rússia. O decreto presidencial é um desafio do Kremlin às mais duras sanções impostas por EUA e União Europeia, na semana passada, para forçar Moscou a retirar seu apoio aos separatistas na Ucrânia.

Autoridades russas disseram ontem que planejam aumentar as importações de alimentos do Brasil e de outros países que não aderiram às sanções ocidentais.

Nas últimas semanas a Rússia também enviou mais tropas para a fronteira com a Ucrânia, segundo os EUA e a Otan (aliança militar ocidental), e conta com um efetivo estimado em 20 mil homens. Ontem o premiê da Polônia, Donald Tusk, manifestou preocupação, ao dizer que "o risco de uma intervenção direta é, com certeza, maior".

O Ministério da Defesa da Rússia ironizou ontem as denúncias de uma escalada militar, qualificando-as de meras "bolhas de sabão".

Mas, com sinais de que a ofensiva da Ucrânia para expulsar separatistas pró-Rússia de seus redutos no leste do país está desacelerando e de que a resistência dos separatistas se intensificou, as últimas medidas russas indicam um desafio à tentativa do Ocidente de mudar o rumo tomado pelo Kremlin.

Ontem Putin falou com a premiê da Alemanha, Angela Merkel, por telefone pela primeira vez desde que as sanções ocidentais foram anunciadas. Os comunicados de Moscou e de Berlim sugeriram, porém, que não houve avanços.

Autoridades ocidentais disseram não estar claro se o reforço militar russo é apenas um modo pressionar Kiev e seus aliados ocidentais a aceitarem um cessar-fogo ou o prelúdio de uma ação militar de maiores proporções da Rússia.

Uma autoridade europeia disse ontem que, embora o grande número de soldados russos estacionados perto da fronteira da Ucrânia seja motivo de preocupação, há poucos indícios de que a Rússia esteja se preparando para uma invasão. Mas advertiu que Putin vem se mostrando imprevisível e que tudo indica que Moscou ainda está avaliando seus próximos lances.

Um militar da Otan, por sua vez, disse que as forças hoje colocadas na fronteira eram inferiores às mobilizadas por Moscou em março, quando a Rússia assumiu o controle da Crimeia, e que talvez não fossem suficientes para invadir e ocupar grandes extensões da Ucrânia. Mas "mudariam o jogo" no leste da Ucrânia "em algumas horas, sem grandes dificuldades", ao reverter o sucesso militar de Kiev contra os separatistas nas últimas semanas.

O Kremlin parece determinado a assegurar que Kiev não derrote os separatistas e pressiona, há meses, por um cessar-fogo, que os deixaria no controle de algum território. Isso poderia dar a eles - e a Moscou - maior alavancagem nas negociações com Kiev e, ao mesmo tempo, poderia evitar a intensificação das pressões do Ocidente. Kiev até agora não aceitou negociar, buscando derrotar militarmente os rebeldes.

Putin busca mostrar que o Ocidente não está equipado para defender a Ucrânia caso a Rússia leve a luta às últimas consequências, disse Andrew S. Weiss, especialista em assuntos russos e vice-presidente na Fundação Carnegie pela Paz Internacional. "Quando alguém é encurralado, cede ou acirra a luta? Em toda a crise, Putin se mostra a favor do acirramento."

Várias sanções ocidentais, como as da semana passada, que afetaram setores inteiros, como o de finanças, petróleo e equipamentos bélicos, ajudaram a empurrar para a recessão a economia russa, já em desaceleração, além de alimentar a fuga de capital. Mas o Kremlin não dá sinais de mudar de direção.

Ontem Putin explicitou as medidas de retaliação num decreto que proíbe parcial ou totalmente, por um ano, a compra de uma série de produtos alimentícios e agrícolas, bem como de matérias-primas originárias dos países que impuseram sanções. A lista inclui EUA, UE, Japão e Austrália. Segundo a agência de notícias estatal RIA Novosti, uma autoridade russa disse que a importação de todos os produtos agrícolas dos EUA seria vetada.

Uma lista definitiva dos produtos proibidos deverá ser divulgada nos próximos dias. Uma autoridade russa disse que eles abrangem algumas frutas, verduras, laticínios e queijo, além de bebidas alcoólicas, carne e frango. Vinho, sementes e produtos de alta necessidade, como alimentos infantis, não seriam incluídos, segundo ele.

A Rússia já proibiu uma série de produtos agrícolas importados de países que adotaram sanções, alegando, porém, questões de segurança alimentar. As autoridades reguladoras da Rússia acusaram o McDonald's de infringir as normas de segurança e ameaçaram proibir a venda de alguns produtos.

O ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, sugeriu que a Rússia pode ainda limitar o sobrevoo da Sibéria por empresas aéreas europeias em voos para a Ásia. A medida elevará o gasto com combustível e a duração dos voos.

"Retaliações contra empresas ou países ocidentais aprofundarão o isolamento internacional da Rússia, causando mais danos à sua própria economia", disse Laura Lucas Magnuson, do Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca. "Continuamos a exortar a Rússia a tomar medidas imediatas para reduzir a intensidade do conflito e a cessar seus esforços para desestabilizar a Ucrânia".

As restrições à importação de alimentos poderão ser dolorosas para alguns setores, porém não representarão um grande problema para a UE ou os EUA, segundo economistas e autoridades do setor.

A proibição russa deverá atingir agricultores na Europa Oriental, mas terá pouco impacto na economia da UE como um todo. No ano passado, a UE exportou € 8,8 bilhões (US$ 11,79 bilhões) em alimentos e animais vivos para a Rússia. Isso representa uma pequena fração do total das exportações do bloco. Bebidas alcoólicas foram responsáveis por mais € 1,5 bilhão em exportações para a Rússia.

Mesmo na Europa Oriental, o efeito provavelmente será modesto. A Lituânia, um dos países da UE mais dependentes do comércio com a Rússia, exportou € 25 bilhões no ano passado. Desse total, as vendas de produtos agrícolas e de bebidas alcoólicas para a Rússia totalizaram cerca de € 1,3 bilhão.

Os agricultores europeus já vêm enfrentando restrições russas a seus produtos, em especial uma proibição à importação de suínos vivos e de carne de porco, em vigor desde janeiro. A UE está contestando essa proibição na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Se a Rússia barrar toda a carne e aves dos EUA, será um transtorno para os produtores americanos, mas não um prejuízo catastrófico, já que Moscou, nos últimos anos, tem erguido barreiras comerciais para consolidar seu setor de carne.

As exportações americanas de carnes e aves para a Rússia totalizaram US$ 329 milhões no ano passado, ou menos de 25% do nível de 2008, segundo dados oficiais. A Rússia é destino de só 7% das exportações americanas de frango por peso, contra 40% na década de 1990, segundo o Conselho Americano Exportador de Aves e Ovos.

As maiores exportações dos EUA para a Rússia incluem aeronaves comerciais empregadas em companhias aéreas controladas pelo Estado, assim como carros, equipamentos de mineração e maquinário para campos petrolíferos. O decreto de Putin não ameaçou esses produtos. No geral, a Rússia representa cerca de 1% do comércio internacional dos EUA.


Veículo: Valor Econômico


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