Dívida da Argentina aumenta incertezas sobre exportações

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Por Sérgio Ruck Bueno | De Porto Alegre


As exportações de calçados para a Argentina, que já sofreram uma redução "devastadora" nos últimos anos devido às barreiras não tarifárias impostas pelo governo Cristina Kirchner e às dificuldades de acesso a divisas pelos importadores locais, têm pela frente um cenário ainda mais incerto com a crise da dívida. A avaliação é do presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, que prevê para 2014 o pior resultado das vendas para o mercado argentino desde 2002, logo após a última grande turbulência econômica enfrentada pelo país.

Tomando como base o ritmo do primeiro semestre e os relatos das empresas sobre as perspectivas em relação aos negócios nos próximos meses, as exportações para a Argentina devem ficar em torno de US$ 50 milhões neste ano, ante R$ 118,9 milhões em 2013, disse Klein. De janeiro a junho, as exportações ao país caíram 39,1% sobre igual período do ano passado, para US$ 33,1 milhões.

Após cair para US$ 15,8 milhões em 2002, os embarques se recuperaram gradualmente e atingiram US$ 195,3 milhões em 2011, mas desde então só diminuem. Se a previsão da Abicalçados para 2014 se confirmar, a Argentina pode recuar da segunda para a quarta ou até a quinta posição entre os principais destinos dos sapatos brasileiros no exterior, atrás de Estados Unidos, Angola, França (que no primeiro semestre comprou apenas US$ 1,2 milhão a menos que os argentinos) e até do Paraguai.

Também chama a atenção o fato de que a redução do faturamento com os embarques para a Argentina é influenciada mais pela queda dos preços do que pela retração dos volumes. No primeiro semestre, o número de pares vendidos caiu 10,7%, para 2,2 milhões, enquanto o preço médio caiu 31,8%, para US$ 14,83.

Para Klein, com a crise econômica e a perda de poder aquisitivo dos consumidores argentinos, as empresas brasileiras são obrigadas a trabalhar com produtos mais "econômicos" para salvar os negócios. Uma das alternativas é fazer modelos mais simples e substituir matérias-primas como couro natural por materiais sintéticos.

Outra consequência é a perda de espaço dos calçados brasileiros em relação aos asiáticos no mercado argentino. Segundo o presidente da Abicalçados, até 2008 o Brasil supria 70% das importações da Argentina e a Ásia, 30%. Agora a situação se inverteu.

E o desempenho negativo não se resume aos negócios com os argentinos. Segundo Klein, com o real valorizado, o calçado brasileiro fica mais caro no exterior e a retração é generalizada. No primeiro semestre a queda foi de 2,6% em valor, para US$ 522,4 milhões, apesar da alta de 6,2% em volume, para 63,7 milhões de pares. O preço médio caiu 8,2%, para US$ 8,20 o par.

Dos dez maiores compradores de calçados brasileiros, apenas Estados Unidos, Angola e Colômbia elevaram as importações no primeiro semestre. Por isso, as empresas tentam diversificar mercados para substituir a Argentina e começam a prestar atenção a destinos como Colômbia, México e Peru. Para o ano, a esperança do setor é que as encomendas nas feiras de Düsseldorf, na Alemanha, e de Milão, na Itália, permitam um desempenho igual a 2013, com exportações de US$ 1,1 bilhão.

Para a Bibi, a Argentina "saiu do radar" devido à situação política e econômica local. Segundo o diretor administrativo e financeiro, Rosnei Alfredo da Silva, a empresa chegou a exportar 350 mil pares por ano ao país vizinho até 2007 e ainda não tomou calote porque trabalha com um importador de longa data. Agora, porém, a situação é de extrema incerteza, avalia.

No ano passado, as exportações da Bibi para os argentinos se reduziram a 185 mil pares, sendo 35 mil no primeiro semestre e 150 mil no segundo. Na primeira metade de 2014 as vendas zeraram e os embarques limitaram-se a 15 mil pares negociados no ano passado e que ainda não haviam recebido licença do governo para entrar no país. "Ainda temos 10 mil pares pendentes", diz o executivo. Mesmo com a queda, a Argentina representou um terço das exportações da Bibi em 2013. Agora, a empresa está aumentando os negócios com mercados como Hong Kong, Colômbia, México e Peru.

As indústrias do polo calçadista de Franca (SP) já fizeram nas últimas décadas um trabalho de pulverização das exportações. De acordo com o Sindicato da Indústria de Calçados de Franca (Sindifranca), as empresas do polo exportam atualmente para 89 países. A Argentina, que já foi um destino importante, hoje representa 0,4% das exportações da região. No primeiro semestre, as vendas para a Argentina somaram 2,5 mil pares e US$ 172 mil. Em volume, houve queda de 78% em relação ao primeiro semestre de 2013. Em receita, houve redução de 81%.

A queda das exportações para a Argentina foi compensada pelas vendas a outros países. No primeiro semestre, as exportações de calçados cresceram 8,8%, para 1,57 milhão de pares. Em receita, houve queda de 2,5%, para US$ 41,7 milhões. A região exporta 4,1% da sua produção. Os principais destinos são Estados Unidos (30% do total exportado), Arábia Saudita (12%) e Emirados Árabes (6%).

A Arezzo está entre as empresas que não possuem exportações significativas para a Argentina, segundo Thiago Borges, diretor de relações com investidores da companhia. Atualmente, 5% da receita da Arezzo vem do mercado externo e as vendas para a Argentinas são irrisórias.

"O default em si da Argentina não tem impacto nas nossas exportações, mas certamente a crise exerce um efeito negativo sobre a economia internacional e indiretamente afeta o setor", afirmou. No primeiro semestre, a Arezzo apresentou uma queda de 4,6% na receita com o mercado externo, para R$ 26,2 milhões. Essa receita inclui vendas em lojas próprias fora do Brasil. (Colaborou Cibelle Bouças, de São Paulo)


Veículo: Valor Econômico


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