Argentina amplia a lista de produtos congelados

Leia em 5min 10s

No dia 6 de janeiro foi lançado na Argentina um programa de controle de preços que prometia servir de ferramenta de combate à inflação. Noventa dias depois, data marcada para revisar o plano, a inflação já acumula quase 10%, segundo dados oficiais. O governo, que calculava uma taxa inflacionária de 10,4% para todo o ano, não apenas declarou o programa como vitorioso como decidiu ampliá-lo.

A proposta do chamado "Precios Cuidados" é fixar limites num grupo de marcas que integram uma cesta de alimentos, produtos de limpeza, remédios e até material de construção. A principal característica desse mecanismo de controle é identificar culpados por abusos, apontá-los para a sociedade e puni-los.

Sob essa ótica governamental, comerciantes, distribuidores e indústria continuam a ser os únicos responsáveis por estar a Argentina hoje entre as nações com os mais elevados índices de inflação do planeta.

Para a segunda etapa do programa, a equipe econômica da presidente Cristina Kirchner ampliou a quantidade de itens, de 194 para 302, e de participantes. Até março, eram dez grandes redes de supermercados. A partir desta semana parte dos produtos com preços controlados estará também nas prateleiras dos pequenos supermercados.

A lista criada pelo governo tem o mérito de servir como referência, segundo disse o secretário de Comércio, Augusto Costa, ao anunciar a entrada dos estabelecimentos menores. Economistas e líderes de organizações de consumidores acreditam até que os índices de inflação seriam maiores não fosse o programa. Mas todos concordam que esse controle está longe de ser a solução para conter a inflação.

"Trata-se de mais um plano fracassado", diz o economista Sergio Berensztein, da Poliarquía. Para o analista, não se pode usar uma "medida superficial" dessa natureza para tentar dissimular os problemas que um déficit fiscal equivalente a 4% do PIB causam à economia. "Os gastos públicos são financiados pela inflação", destaca Berensztein. Para ele, o governo toma medidas paliativas com o intuito de "protelar um ajuste mais sério". "Esse controle é uma tentativa de curar com uma aspirina uma doença grave", diz Héctor Polino, que dirige a Consumidores Libres, entidade de defesa dos consumidores.

O governo, no entanto, transformou o "Precios Cuidados" numa espécie de bandeira de luta. Além de uma constante campanha publicitária, sempre surge um motivo para que militantes de organizações ligadas ao kirchnerismo se espalhem nas entradas dos principais supermercados para distribuir as listas do programa.

Sem muita fé de que algo de fato vai ajudá-la a enfrentar o aumento do custo de vida, a população em geral desconfia. Uma pesquisa da Managment & Fit divulgada em março indicou que 62,2% dos entrevistados em grandes cidades duvidam que o controle possa evitar aumentos. "Quem define preços é a lei da oferta e procura, ou seja, o próprio consumidor", destaca Irma Munhoz, de uma entidade que representa donas de casa.

Ir às compras na Argentina é uma tarefa que requer tempo e muito exercício de comparações. Depois de passar dez minutos diante da gôndola do arroz, Mercedes, uma tradicional cliente do Coto, a maior rede de supermercados de origem argentina, diz que nem sempre o produto da lista do governo é o mais em conta. Para ela, o controle não tem ajudado a conter a alta dos preços.

Na primeira revisão trimestral do programa, os reajustes autorizados para os itens da lista resultaram numa alta média de 3,2%. No mesmo período, a inflação oficial ficou em 10% e o chamado índice Congresso, divulgado por deputados de oposição com base em análises independentes, registrou 13,4%. A organização Consumidores Libres, que também acompanha a evolução dos preços, registrou 11,29% de aumento médio numa cesta de 38 itens.

Mas para alguns produtos o governo autorizou índices acima da inflação. Caso do tomate, que aumentou 15% ou da erva mate, a bebida mais consumida na Argentina, que subiu 11,1% depois de uma polêmica reação da presidente Cristina Kirchner. Diante das primeiras iniciativas dos produtores para elevar os preços, logo após a desvalorização do peso, em janeiro, Cristina questionou irritada, num discurso em cadeia de televisão: "Querem justificar o repasse da desvalorização do câmbio na erva mate como se fosse mercadoria importada. Existe algo mais argentino que o mate?". Nas reuniões que se seguiram com a equipe da Secretaria de Comércio, os produtores informaram, segundo fontes, a necessidade de repassar custos com mão de obra.

Segundo fontes, existe pressão do governo para que fabricantes e comerciantes participem do programa. "Ninguém quer ficar mal com o governo", diz um conselheiro econômico industrial. A Secretaria de Comércio não atendeu a pedidos de entrevista.

Se, de um lado, ter seu produto na lista do programa dá ao produtor a vantagem de não arrumar confusão, por outro ele leva prejuízo. O preço de alguns produtos do programa às vezes equivale a menos da metade das marcas fora do controle. Para driblar as perdas, as empresas colocam apenas uma entre várias versões do mesmo produto na lista, que tem de tudo, de leite e arroz a cerveja e vinho.

Segundo as regras do programa, todo comerciante é obrigado a alertar a Secretaria de Comércio sobre a falta de produtos que integram o programa. Se a análise conclui que a falta é justificada, admite-se a ausência do produto no supermercado participante, mas durante uma semana no máximo. As gôndolas das redes argentinas transformaram-se numa confusão de letreiros. Há avisos para os produtos que constam da lista do "Precios Cuidados" e avisos para os que estão em falta, além dos tradicionais cartazes com promoções.

Para cumprir essa regra, na semana que antecedeu a Páscoa, os supermercados de Buenos Aires informaram que foi por culpa exclusiva dos fabricantes que havia falta de itens como o óleo de girassol Cocinero. "Falta de entrega da Pepsico " dizia também o letreiro exposto na gôndola destinada ao Toddy. A atendente do eficiente serviço de denúncias que o governo colocou à disposição da população por meio de um número de telefone gratuito informou que a Secretaria já estava a par do problema. E que, infelizmente, o consumidor teria que passar a semana sem esses produtos.



Veículo: Valor Econômico


Veja também

Empresa lança bebida alcoólica em pó nos EUA

Uma empresa americana anunciou que seu novo produto, bebidas alcoólicas em pó, já tem a aprova&cced...

Veja mais
Leite longa lidera ranking de altas do IPC, revela Fipe

O leite longa vida é o mais novo vilão da inflação na capital paulista, conforme levantament...

Veja mais
Empresário cauteloso reduz planos para 2014

A persistência da inflação em patamar maior do que o desejável deve afetar diretamente o dese...

Veja mais
Clima adverso deve reduzir safra de maçã em 5% a 10%

A safra brasileira de maçã deverá registrar a segunda quebra consecutiva este ano, devido, novament...

Veja mais
Páscoa engorda lucros para vários setores

Neste período Pascal, há grande demanda por pães, vinhos, peixes, azeites e chocolates que aquecem ...

Veja mais
Ovos de Páscoa turbinados

Fabricantes do setor apostam nos brinquedos para atrair as crianças e no sabor para os adultosA preferência...

Veja mais
Varejo tem condições de crescer

Embora apenas o incentivo ao consumo isoladamente não tenha mais fôlego para alavancar o crescimento do pa&...

Veja mais
Produção de algodão deve crescer 3,8%

A produção mineira de algodão, na safra 2013/2014, deve alcançar 69,2 mil toneladas, volume ...

Veja mais
Paulistano pagou 4,09% mais pela cesta basica em março

O preço médio da cesta básica do paulistano subiu 4,09% em março, passando de R$ 377,90 no d...

Veja mais