Crise tornará consumidor mais 'maduro' e cauteloso na compra

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Um pé no futuro. Na lógica de que 'tudo tem um lado bom' um ponto positivo da recessão atual será a maior conscientização do brasileiro, que tenderá a se endividar menos daqui para frente

 


São Paulo - A despeito dos impactos negativos, a crise econômica que tem afetado o Brasil nos últimos anos deixará ao menos uma herança positiva para o País. A recessão exerceu o papel de acelerar o processo de amadurecimento do consumidor, que saíra dos anos de retração muito mais consciente, racional e cauteloso na compra do que quando entrou.

A visão é compartilhada por quatro especialistas em varejo e consumo ouvidos pelo DCI. "O brasileiro viveu períodos de euforia, de 2004 a 2013, e tem vivido a recessão dos últimos anos. O produto final que sairá de tudo isso será alguém mais consciente, maduro e mais senhor de si. Um consumidor que conheceu e aprendeu a gostar das benesses de uma sociedade afluente, mas que também aprendeu a viver com o cinto mais apertado", resume o diretor-geral do Grupo GS& Gouvêa de Souza, Marcos Gouvêa.

Para ele, essa mudança no comportamento será extremamente positiva, na medida em que gerará um consumidor mais consciente quanto ao uso do dinheiro e menos propenso a se endividar. Para as varejistas, ele aponta que o impacto se dará no aumento da competitividade entre as marcas.

O sócio-líder para a indústria de Bens de Consumo e Produtos Industriais da Deloitte, Reynaldo Saad, também enxerga com bons olhos as mudanças impostas pelo cenário recessivo. De acordo com ele, o brasileiro sairá mais 'calejado' da crise e será um consumidor que tem seus anseios e suas aspirações, mas que não necessariamente vai sair - como fazia há cinco anos - comprando e se endividando de forma descontrolada. "Existe essa perspectiva de que esse consumidor será mais maduro na sua forma de consumir", afirma.

 

Impacto no varejo
Em sua visão, isso inclusive deve beneficiar as varejistas na definição de suas estratégias de negócio. "Na medida em que se tem um consumidor mais estável, ou seja, que sabe exatamente o que vai querer, como vai ser sua compra e qual impulso vai ter para o consumo, eu acho que isso facilita para a varejista na definição de sua estratégia de negócios: abastecimento de estoque, financiamento, melhoria de produtos, etc", diz.

O sócio-presidente da consultoria Ba}Stockler, Luis Henrique Stockler também sinaliza para um quadro positivo em decorrência desse novo comportamento. Segundo ele, o Brasil tinha uma referência de consumo muito pautada nos hábitos dos norte-americanos, e a mudança nessa forma de enxergar o processo de compra é muito benéfica para o País. "Acho isso extremamente saudável, tanto no sentido da maior conscientização do brasileiro em relação aos seus gastos, quanto da percepção de questões como o reuso e a sustentabilidade no consumo", aponta.

Para a sócia-fundadora do Grupo Bittencourt, Claudia Bittencourt, outro aspecto relevante da crise está ligado à geração millenium, que inclusive pode ser mais impactada por essas mudanças do que outras gerações. "Muitos brasileiros não tinham passado por nenhuma crise antes da atual. Esse consumidor jovem, que está entrando agora no mercado, vai sair da recessão entendendo que as crises existem, que não é uma coisa que acontece só em outros países, e que, por isso, ele precisa ter mais cuidado para lidar com o seu dinheiro", afirmou ela, ao DCI.

 

O papel da recessão
A evolução no comportamento do consumidor, citada pelos quatro especialistas, ocorreria independente da crise. O papel da recessão, no entanto, foi justamente o de acelerar o processo. "A evolução que poderia demorar cerca de oito anos para acontecer estamos assistindo em três, porque a crise acaba potencializando e acelerando o desenvolvimento desses comportamentos", afirma Gouvêa.

Stockler, da consultoria Ba}Stockler, concorda: "Essa mudança de hábito é decorrente também da tecnologia, que proporciona ao consumidor mais ferramentas para pesquisar, comparar e buscar o melhor preço. Mas, sem dúvida, a crise potencializou e acelerou muito esse processo de evolução e amadurecimento."

De acordo com ele, o consumidor tem buscado, com a crise, usar mais esses recursos, já que a necessidade de economizar e encontrar produtos com um preço menor aumentou. "Quando o dinheiro fica mais escasso, a compra também acaba se tornando mais seletiva", pontua. Para Claudia, do Grupo Bittencourt, tudo isso fará com que o consumidor se torne mais exigente em sua compra e demande mais das varejistas.

"A venda será muito mais consequência da experiência na loja e do atendimento do que é hoje. Será um conjunto de experiências e sentimentos que o consumidor cria com a marca que vai fazer com que ele consuma o produto. As varejistas terão que se adaptar a isso."

Sobre o processo de retomada da economia e, consequentemente, do consumo, Gouvêa afirma que ele se dará de forma lenta e que quando efetivamente começar, os patamares de consumo serão mais baixos do que aqueles que tivemos no período de 2004 até 2013, por questões racionais e emocionais. "O consumidor apanhou com a crise e está muito mais cauteloso. Além disso, não vamos ter um crescimento do emprego e da renda tão grande quanto o que tivemos durante aquele período", afirma.

De acordo com o executivo, outro aspecto que deve 'frustrar' o avanço do consumo no pós-crise será o fato de que o crescimento do crédito como motor de expansão da economia já aconteceu lá trás, e não deve acontecer de novo agora.

Apesar da perspectiva de que os níveis de consumo sejam menores aos dos anos que antecederam a recessão, o balanço geral do especialista sobre o consumo no pós-crise é positivo. "Será mais racional. O consumidor vai equilibrar melhor o desejo e não terá tanta euforia, o que é bom para o Brasil."

Pedro Arbex

Fonte: DCI - São Paulo


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