Insegurança gerada pela MP 627

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Por Marcelo de Almeida e Fabiana de Lima

 

As legislações fiscal, contábil e tributária brasileiras sofrerão expressivas alterações caso a Medida Provisória nº 627, de 2013 - editada em 11 de novembro de 2013 - seja convertida em lei. Conforme o texto da MP, as mudanças entram em vigor, obrigatoriamente, em 1º de janeiro de 2015, com a opção de adoção pelas empresas já a partir de janeiro deste ano.


Dentre os diversos temas relevantes dispostos pela referida medida provisória, merece destaque o novo tratamento do ágio decorrente de rentabilidade futura (goodwill) e uma possível "nova interpretação" acerca da base de cálculo do PIS e da Cofins, qual seja o "lucro bruto".
Segundo o cenário contábil e fiscal vigente até 31 de dezembro 2007, o ágio decorrente de aquisição de empresas ou de participações societárias - também chamado de goodwill - consistia na diferença positiva entre o custo de aquisição do investimento e seu valor patrimonial, considerando suas variáveis econômicas.


Essa diferença tinha prazo de amortização limite de dez anos, fundado na taxa de realização estimada, e podia ser dedutível para fins do cálculo de IRPJ e da CSLL mediante comprovação documental dessa estimativa. Diante dessa benesse fiscal ("dedutibilidade"), muitos grupos econômicos aproveitavam para realizar operações de aquisição de empresas ou de participações societárias entre suas próprias subsidiárias, com o fim de criar ágio para ser deduzido na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. É o chamado "ágio interno".


Essa prática não era expressamente proibida pela legislação. Porém, após constatação da crescente erosão da base de cálculo desses tributos, que consequentemente reduzia cada vez mais a arrecadação federal, as autoridades fiscais passaram a desconsiderar esses negócios jurídicos sob a fundamentação de falta de "propósito negocial" e de "substância econômica", e autuavam os contribuintes que haviam usufruído dessa dedução.


Agora, conforme dispõe o artigo 21 da MP 627, o ágio decorrente dos negócios ocorridos entre empresas de um mesmo econômico ("ágio interno"), principalmente aqueles gerados de incorporação ou permuta de ações (com torna), não mais será dedutível da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.


No entanto, continuará sendo dedutível o ágio gerado de negócios havidos entre empresas "interdependentes" - não pertencentes ao mesmo grupo econômico -, e que estejam reconhecidos na contabilidade, posto que sua utilização não foi proibida pela nova MP. Até mesmo o ágio oriundo das operações que envolvam "empresa veículo" continuam sendo dedutíveis, desde que tenham sido realizadas entre partes independentes, conforme entendimento majoritário do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).


Assim, como se observa, a dedutibilidade do goodwill ainda será mantida quando este advier de operações realizadas entre empresas "não dependentes", porém passará a ser operacionalizada através de uma exclusão fiscal, considerando o fim da amortização contábil do ágio.
Por fim, cumpre atentar-se para a obrigatoriedade de elaboração de laudo de avaliação por perito independente, que deverá ser protocolado na Receita Federal e registrado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos até o último dia útil do décimo terceiro mês subsequente ao da aquisição da participação.


Dessa forma, diante do novo contexto fiscal, contábil e tributário que se apresenta ante o reconhecimento do ágio decorrente de rentabilidade futura (goodwill), as empresas deverão avaliar os casos em que a regra antiga ainda é mais vantajosa e realizar a absorção de patrimônio o mais breve possível.


Conforme dispõe a legislação do PIS e da Cofins, bem como decidiu em definitivo o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do recurso extraordinário nº 346.084, a base de cálculo dessas contribuições é a receita decorrente apenas da venda de bens e da prestação de serviços da pessoa jurídica.


Ocorre, porém, que a MP nº 627, em seus artigos 51 e 52, trouxe nova redação ao artigo 1º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, dispondo que a base de cálculo do PIS e da Cofins será "o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica" - consubstanciado na soma da sua receita bruta (produto da venda de bens nas operações de conta própria e o preço dos serviços prestados - Art. 12, DEL 1.598/77) -, com todas as outras receitas por ela auferidas, inclusive aquelas decorrentes do exercício das suas atividades ou objeto social.


Dessa forma, caso essas disposições sejam convertidas em lei, a partir de 1º de janeiro de 2015, a base de cálculo do PIS/Cofins não será apenas aquela decorrente da venda de bens e serviços do contribuinte - conforme restou pacificado pelo Plenário do STF -, mas sim terá adicionada todas outras receitas auferidas pela empresa (não operacionais, financeiras etc.), o que acarretará no seu alargamento, hipótese que somente pode ser aventada por meio de Lei Complementar (Constituição Federal de 1988, arts. 62, parágrafo 1º, II e 146, III, "a"), e não via medida provisória.


Assim, se for mantido como está o texto da referida medida provisória, haverá o alargamento da base de cálculo do PIS/Cofins, fato que afrontará o entendimento definitivo do Supremo sobre o tema, bem como será instaurada a insegurança jurídica tributária no país.

 

Marcelo de Almeida e Fabiana de Lima são advogados do Diamantino Advogados Associados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

 

 

Fonte: Valor Econômico (03.02.2014)

 


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