Empresas conseguem prazo na Justiça contra autuações

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A Justiça estadual de São Paulo tem autorizado a reabertura de processos administrativos que envolvem empresas intimadas eletronicamente pelo Fisco paulista, na época em que foi implantado o programa Domicílio Eletrônico do Contribuinte (DEC). A ferramenta é uma espécie de caixa postal utilizada para a comunicação entre Fisco e contribuintes, que teve início entre 2012 e 2013. As companhias, que perderam prazo para defesa, alegam que não tinham conhecimento do funcionamento do sistema. Atualmente, a inscrição no DEC é obrigatória para todos contribuintes de ICMS do Estado.


Recentemente, a 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) foi favorável ao pedido de uma companhia para ter seu processo reaberto. A empresa alegou que, apesar de ter sofrido uma fiscalização presencial, foi intimada apenas pelo DEC sobre um auto de infração. A decisão determinou a reanálise do procedimento administrativo por entender que houve cerceamento de defesa. Ainda cabe recurso.


Segundo o advogado da empresa, Abel Amaro, do Veirano Advogados, "a prática fiscal desencadeou um impedimento no direito de defesa". A companhia, conforme Amaro, só se deu conta do auto de infração semanas após a intimação eletrônica, ao tentar retirar uma Certidão Negativa de Débitos (CND) para participar de uma licitação. A Fazenda se negou a receber a defesa, por entender que o prazo estava esgotado.


Com o débito inscrito em dívida ativa, a empresa passaria a sofrer cobrança judicial sem que pudesse se defender na esfera administrativa. Nas ações judiciais de execução, a companhia ainda é obrigada a depositar em juízo o montante integral do débito tributário - no caso, milhões de reais - ou apresentar garantia de igual valor. Por isso, entrou com mandado de segurança. Contudo, a liminar e a sentença foram desfavoráveis.
Ao analisar recurso da empresa no TJ-SP, o relator desembargador Coimbra Schmidt declarou que embora a Lei nº 13.918, de 2009, tenha dado ao Estado a possibilidade de usar a via eletrônica para emitir notificações e intimações aos contribuintes, a modalidade não foi observada no curso da fiscalização, efetuada pessoalmente - com exceção da lavratura do auto de infração e do encerramento do processo administrativo. Segundo a decisão, não se poderia mudar as "regras no curso do jogo", o que configuraria uma clara situação de insegurança jurídica.
O advogado Marcelo Escobar, do escritório que leva seu sobrenome, defende caso similar, com liminar concedida em agosto de 2013. O processo foi julgado pela 11ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo e envolve uma companhia de Botucatu, interior paulista, que produz e comercializa café.
A empresa foi autuada em julho de 2012 pelo suposto uso de créditos de ICMS de operações com empresa inidônea. Segundo Escobar, a autuação foi por meio físico e a companhia fez sua defesa na esfera administrativa sem contratar um advogado. A intimação havia sido feita por meio eletrônico e o prazo para recorrer ao Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) - a segunda instância administrativa paulista - já havia terminado. "Realmente [o processo administrativo eletrônico] é um sistema mais célere, mas o grande problema ocorreu durante o período de transição", diz Escobar.
A companhia só conseguiu reabrir o prazo de defesa após propor ação judicial. O juiz Domingos de Siqueira Frascino destacou na liminar que o artigo 9º da Lei nº 13.457, de 2009, que regulamentou o processo eletrônico administrativo em São Paulo, determina que a intimação será feita por meio físico quando envolver "pessoa física ou firma individual sem advogado constituído nos autos".


Entre os precedentes citados no pedido de liminar está uma decisão concedida pela 3ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, de outubro de 2011, favorável à Fama Ovos Indústria. O relator, desembargador Marrey Uint, aplicou o mesmo artigo da lei usado na ação que envolve a companhia de Botucatu. Como a empresa era representada por seu sócio, o desembargador entendeu que deveria reabrir o processo administrativo, ainda que não fosse empresa individual. A decisão transitou em julgado em fevereiro de 2012.


Para o advogado da companhia, Victor Mauad, a informação fiscal por meio eletrônico não pode ser considerada intimação. Para ele, nem sempre as empresas têm um profissional para acompanhar processos administrativos. O advogado Francisco Giannini Neto, do Tadeu Giannini Advocacia concorda. Ele atua em um caso similar, da companhia Taboão Santo Supermercado, que obteve uma decisão do TJ-SP para recorrer ao TIT, no fim de 2012. O processo administrativo ainda não foi julgado.


Segundo o subprocurador-geral do Estado de São Paulo da área do contencioso tributário-fiscal, Eduardo Fagundes, a procuradoria deve recorrer nesses casos. "A legislação é clara ao dizer que o Estado pode fazer intimações eletrônicas, com exceção das pessoas físicas ou pessoas jurídicas individuais, que não possuem advogados". Para ele, contudo, é importante ressaltar que essas decisões apenas reabrem a oportunidade para a apresentação de impugnação administrativa (contestação da autuação) e que o mérito ainda será analisado.


O advogado Eduardo Salusse, juiz da Câmara Superior do TIT, também discorda das alegações dos contribuintes. Para ele, a intimação por meio físico a que se refere a Lei nº 13.457 abrangeria somente pessoas físicas, como em casos de autuações sobre o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação. Salusse considera ainda que houve ampla divulgação a respeito das regras do processo eletrônico. "O que me parece muito claro é que essa situação [pedido de reabertura do prazo] é uma absoluta exceção, se comparada com as 65 mil intimações já realizadas nas novas regras", afirma.



Por Adriana Aguiar e Bárbara Mengardo | De São Paulo

Fonte: Valor Econômico (21.01.2014)

 


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