"Consequências da guerra fiscal pecisam ser debatidas"

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Depois de já declarada a inconstitucionalidade da guerra fiscal, o Supremo Tribunal Federal ainda deverá enfrentar outro longo embate jurídico relacionado ao tema. Os ministros deverão debater o que fazer com os benefícios recebidos pelo contribuinte ao longo dos anos em que as batalhas da guerra fiscal ainda eram constitucionais.


Quem levanta a questão é o advogado Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli, conselheiro do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), do Ministério da Fazenda. Segundo ele, depois de vencido o problema da guerra fiscal, agora o Supremo deverá discutir os efeitos práticos de sua decisão e definir qual deve ser a interpretação correta dada aos benefícios fiscais concedidos pelos estados a contribuintes.


Em análise da tendência jurisprudencial do Supremo, Lunardelli aponta para duas direções. Ou o STF aplica um entendimento formal à declaração de inconstitucionalidade, e declara que todos os benefícios concedidos durante a guerra fiscal são nulos, ou entende pela modulação da decisão - os benefícios de antes da declaração da inconstitucionalidade valem, e não devem ser ressarcidos às fazendas estaduais, e apenas os dali para frente é que são ilegais. A segunda hipótese é a que mais agrada os estados.


No mês passado, o Supremo Tribunal Federal publicou o edital de uma proposta de súmula vinculante para sepultar de vez a guerra fiscal. O texto, proposto pelo minsitro Gilmar Mendes, declara inconstucional qualquer benefício, isenção, incentivo ou redução da alíquota da base de cálculo do ICMS que não tenha sido aprovado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).


Na opinião de Lunardelli, esta será uma boa medida, se aprovada. Regulamenta, por meio de jurisprudência, o que o Judiciário deve fazer quando se deparar com o problema, ao mesmo tempo em que envia aos contribuintes e aos estados uma mensagem clara: benefícios parciais concedidos sem autorização do Confaz não têm validade.



Atos nulos e seus efeitos


Resolvido o que fazer de agora em diante, o problema passa a ser o passado. Lunardelli faz a seguinte análise: empresas receberam benefícios, até então legais, dos estados. Desenvolveram-se por conta deles, ao passo que os estados cresceram, geraram empregos e também se desenvolveram - também por conta desses benefícios. Alguns desses benefícios têm mais de dez anos de idade.


O advogado, então, levanta a questão sobre a nulidade de ato jurídico decorrente de norma inconstitucional. Em palestra durante o 1º Congresso de Direito Tributário da Associação dos Juízes Federais de São Paulo (Ajufesp), nesta quinta-feira (17/5) na sede da Federação das Indústrias de São Paulo, Lunardelli apresentou um grande levantamento jurisprudencial sobre como o Supremo tem se posicionado em questões semelhantes.


Em Ação Direta de Inconstitucionalidade de 1992, o Supremo decidiu que "atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em consequência, de qualquer carga de eficácia jurídica". Os ministros discutiam a validade jurídica de fatos ocorridos em decorrência de uma lei inconstitucional, antes da declaração de sua inconstitucionalidade.


Um ano depois, em Recurso Extraordinário, o Supremo afirmou que a "retribuição declarada inconstitucional não é de ser devolvida no período de validade inquestionada da lei de origem". No entendimento de Lunardelli, com essa decisão, o STF relativizou os efeitos da declaração da inconstitucionalidade. Enquanto a norma valia, os contribuintes que se beneficaram dela não cometeram ilegalidades.



Lei nova


Mas ambas as posições são anteriores à Lei 9.868/1999, a Lei da ADI. O artigo 27 do texto autoriza o Supremo a modular os efeitos das declarações de inconstitucionalidade apenas a partir do momento da decisão. É o chamado efeito ex nunc.


Em 2004, já depois da lei, o Supremo foi acionado para discutir a composição de uma câmara de vereadores de município do estado de São Paulo. Um RE afirmava que a Casa tinha mais vereadores do que permitia a regra da proporcionalidade constitucional entre representantes e habitantes de uma cidade.


O relator, ministro Francisco Rezek, hoje aposentado, votou pela inconstitucionalidade naquele caso. Ressalvou, no entanto, que se tratava de uma exceção. Declarar a nulidade de todos os atos jurídicos decorrentes da composição inconstitucional da câmara dos vereadores condenaria todas as leis municipais a serem invalidadas, por vício formal - a eleição de seus autores foi inválida, conforme lembrou Lunardelli.


"A declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc [retroativos], resultaria em grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente", votou Rezek, à época, em nome da segurança jurídica.



Conflito de posições


Com base no levantamento, Lunardelli enxerga um conflito de posicionamentos do Supremo, em que se opõe a visão formal sobre a aplicação da constitucionalidade e a aplicação do princípio constitucional da razoabilidade e da proporcionalidade. Ele afirma que tem prevalecido, no STF, a segunda interpretação, e os ministros tendem a ponderar as consequências de suas decisões.


O advogado mostra três julgamentos do Supremo. Em dois deles, os ministros citam o "interesse social" , em outro, a "segurança jurídica" para abrir exceções de decisões pela inconstitucionalidade. Na prática, ensina Pedro Lunardelli, o Supremo quer dizer que os efeitos reais dos posicionamentos que assumem, no que diz respeito a benefícios fiscais, ainda precisam ser discutidos.


"O devido processo legal, para o STF, é permitir ao Judiciário verificar a razoabilidade e a proporcionalidade entre aquilo que se pretende, ou pede, e aquilo que se decide", resumiu o advogado.



Por Pedro Canário
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.


Fonte: Conjur - Consultor Jurídico (18.05.12)


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