Tributação ambiental pode estimular degradação

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É ilegítima a aplicação de tributo a poluidores com intuito de apená-los. A poluição, se considerada crime ou infração administrativa, deve ser combatida com penas e não com tributação. Esta é a conclusão a que palestrantes do Seminário Tributação Ambiental: seu papel para o desenvolvimento econômico sustentável chegaram ao debater, nessa segunda-feira (12/3), em São Paulo, a oportunidade e a legitimidade da tributação ambiental.

 

Todos os palestrantes concordaram com a desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Consuelo Yoshida. Ela afirmou que a figura do “poluidor pagador” — em que determinada pessoa é obrigada a pagar um tributo porque causou dano ao meio ambiente—, não deve ser tratada em esfera tributária. Além disso, pode gerar distorções de ordem social. Isso porque cria a ideia do “pago para poluir” ou “pago, logo posso poluir”.

 

Luis Eduardo Schoueri, advogado e livre-docente em Direito Tributário pela USP, ressaltou que a tributação ambiental não deve contrariar o princípio da capacidade contributiva. “Um carro de luxo revela que um cidadão tem uma capacidade contributiva maior que aquele que tem um carro nacional e fora de linha. No entanto, o tributo ecológico tende a ser maior sobre aquele que tem um carro velho do que o que tem um de última geração, com todos os recursos tecnológicos de proteção ao meio ambiente, sendo que a capacidade deste último é muito maior que a do outro. Isso ofende ou não o princípio da capacidade contributiva?” questionou.

 

Para o advogado, uma das alternativas seria trocar a tributação pelo incentivo. Ele diz que, provavelmente, haveria questionamentos sobre a constitucionalidade de uma tributação diferente para veículos flex (gasolina/álcool) e carros movidos só a gasolina. No entanto, se fosse criado um mecanismo de incentivo, ao invés da tributação, as lacunas para questionamentos seriam menores. “Se o Estado oferecesse incentivo para compra de carro flex, acredito que haveria pouco espaço para discussão. Por isso, penso que seria viável discutirmos o incentivo antes da tributação”, afirmou.

 

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, não sabe se é possível afirmar que o Brasil possui um tributo ambiental. “Já temos práticas ligadas à proteção do meio ambiente que até podem ser entendidas como ‘de caráter ambiental’. Mas pensar em um tributo específico para esta questão é complicado”.

 

Para o ministro, o país está no inicio de um processo, e é preciso fazer experimentos. “Os incentivos fiscais, de forma geral, são problemáticos. Embora a doutrina esteja dividida com relação ao chamado ‘poluidor pagador’, o STF já o considerou constitucional. O importante é que o Brasil tenha iniciado a discussão sobre como usar o tributo para coibir condutas que degradam o meio ambiente, ou incentivar práticas de caráter positivo”, afirmou o ministro.

 

Para Humberto Ávila, doutor em Direito Tributário pela Universidade de Munique, (Alemanha) e professor da USP, há a necessidade de proteger o meio ambiente, mas isso não significa que a proteção deva ser feita através do Direito Tributário. E, caso o seja, é preciso ainda analisar se pode ser feito e se é bom.

 

Ele explica que o tributo altera o comportamento do contribuinte. “Caso esta seja a via eleita para combater a degradação ambiental, não se deve estipular um tributo muito baixo, sob o risco de as pessoas entenderem que podem pagar pelo direito de poluir. Por outro lado, não pode ser muito alto a ponto de restringir a liberdade das pessoas.”

 

Humberto Ávila cita o exemplo de uma experiência norte-americana, em que uma escola, para impedir que pais se atrasassem ao buscar os filhos, instituiu uma taxa de US$ 3 para os atrasos superiores a 10 minutos. Como resultado, houve o aumento do número de pais que se atrasavam. “Além daqueles que já estavam habituados a se atrasar, pais pontuais entenderam que tinham o direito de se atrasar mediante o pagamento de uma taxa. Do mesmo modo, é complicado o Estado tentar resolver uma questão de organização social por meio de uma tributação. Ele precisa analisar o quão eficiente é esta tributação para alcançar a solução do problema social proposto”, disse o advogado.

 

O professor também chamou atenção para o fato de que o Estado, caso opte pela tributação, precisa criar mecanismo que assegure que o tributo não seja repassado a um terceiro, como é comum no Brasil. “Se isso acontecer, além de adquirir o direito de poluir, o poluidor mandará a conta para outra pessoa, o que caracteriza uma distorção ainda maior.”

 

Um tributo “ambiental” não pode ser instituído, afirma Heleno Taveira Torres, livre-docente pela USP e especialista em Direito Tributário. Ele explica que as iniciativas classificadas como tributos ambientais são falaciosas, já que a elaboração de um tributo com esse fim esbarra em limites constitucionais para a ação fiscal. O ICMS-ecológico, por exemplo, não se trata de uma tributação ambiental, pois são os municípios que se obrigam à adoção de medidas ambientais como condição para repasse do ICMS pelos estados. Ele citou que todos os tributos devem ser aplicados conforme os critérios de sustentabilidade definidos em leis e tratados internacionais, como aceitar créditos de PIS e COFINS de gastos ambientais ou como despesas necessárias, no IRPJ. E observou que a noção do poluidor-pagador hoje já se vê superada por outros modelos, como a do protetor-recebedor. Os desafios são grandes e a tributação precisa se adaptar à proteção do meio ambiente, disse.

 

Já o advogado Tácio Lacerda Gama, mestre e doutor pela PUC-SP, entende que o Estado não tem o poder — e não deveria — de intervir em matéria ambiental com a instituição de tributos, mas apenas estimular condutas de proteção ao meio ambiente. “Aliás, no âmbito jurídico, o Estado não intervém em lugar nenhum, pois intervir já sugere atuar naquilo que não é de sua competência”, explica. Para o professor, o Estado deve se limitar a estimular condutas a partir da sua competência fundamental normativa, como disposto no artigo 174 da Constituição.

 

Por meio da ação normativa, segundo Lacerda, o Estado pode exercer o poder de Polícia sobre os direitos econômicos e fomentar condutas de proteção ao ambiente. Também poderia fazer isso através de normas gerais e abstratas, que atuariam como instrumento de racionalização da economia, além de planejar e incentivar práticas sustentáveis. 

 

 

Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.

Fonte: Conjur - Consultor Jurídico (13.03.12)


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