Entidades de dois setores expõem seus pontos de vista
Farmácias e supermercados iniciaram uma queda de braço. No centro da polêmica, um tema que interessa diretamente à imensa maioria dos consumidores:
Não precisamos de mais locais para vender remédios
Permitir a venda de medicamentos em supermercados, junto de bebidas, óleo de cozinha e sucrilhos, é banalizar um produto que é seguro, mas não isento de riscos
Todos os anos, 100 mil pessoas morrem em razão de acidentes vasculares cerebrais (AVC) e 300 mil em decorrência de problemas cardíacos no Brasil. É como se, anualmente, Bento Gonçalves e Pelotas sumissem do mapa. Essas mortes poderiam ser evitadas tratando-se duas doenças básicas, o diabetes e a hipertensão. Mas não é o que acontece.
Quase 50% dos brasileiros não tomam os medicamentos que deveriam. A maioria só cuida dos sintomas, como a dor de cabeça, a tontura e o mal-estar.
Mas há dados ainda piores. Pesquisa do Datafolha de abril apontou que 57% dos brasileiros alteram a dosagem prescrita pelo médico. É um dado assombroso, que se conecta com outro inacreditável. Estudo realizado no Hospital das Clínicas de Porto Alegre, em 2013 e 2014, apontou que 14,6% dos atendimentos de urgência se davam por problemas com medicamentos. Extrapolando esse número para o país, são mais de 2,8 milhões de internações anuais no Sistema de Saúde Pública (SUS), ao custo de R$ 3,2 bilhões por ano, em razão de efeitos adversos de remédios.
É nesse contexto nada favorável que surge a discussão da venda de medicamentos isentos de prescrição nas prateleiras dos supermercados, sem nenhuma assistência farmacêutica, ao lado de linguiças e picanhas. Os defensores dessa ideia alegam que é importante dar mais acesso às pessoas. Ora, no Brasil já existem 80 mil farmácias, sem contar a enorme infraestrutura do SUS, que cobre 100% dos municípios brasileiros. Não faltam, portanto, locais para se adquirir remédios.
Permitir a venda de medicamentos em supermercados, junto de bebidas, óleo de cozinha e sucrilhos, é banalizar um produto que é seguro, mas não isento de riscos. É, sinalizar, também, que está tudo bem em se cuidar apenas dos sintomas, em se livrar da dor de cabeça, e não manter a doença crônica sob controle.
Nós não precisamos de mais locais para vender remédios. O Brasil necessita vencer o abandono ao tratamento, o mal das mortes precoces por doenças evitáveis. Para isso, é fundamental fazer checkups na população, identificar riscos e encaminhá-la ao médico. Investir na educação do usuário promoverá a melhora na saúde brasileira. Eu tenho certeza de que é na farmácia, com assistência farmacêutica, informação e apoio à adesão ao tratamento, que isso pode ser feito da maneira mais adequada.
Por Sergio Mena Barreto, CEO da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma)
Venda de medicamentos em supermercados será um avanço para o Brasil
Hoje, cerca de 22% dos municípios no Brasil têm apenas uma farmácia, podendo praticar quaisquer preços por falta de concorrência
O setor supermercadista brasileiro está mobilizado na defesa da venda de medicamentos isentos de prescrição (MIPs) nas 89 mil lojas de autosserviço do Brasil, por acreditar que esse processo faz parte da evolução do mercado consumidor. Entendemos que essa é uma forma de proporcionar que os medicamentos seguros estejam mais facilmente disponíveis em caso de necessidade. A Abras jamais apoiaria qualquer medida que colocasse em risco a saúde dos brasileiros. Investimos em pesquisas e tentamos ouvir representantes do setor farmacêutico e órgãos reguladores para que tudo seja feito com transparência e responsabilidade. Os supermercados lidam diariamente com produtos perecíveis e sensíveis, e passam por detalhadas fiscalizações da vigilância sanitária. Os MIPs são extremamente seguros, tanto que sua venda nas farmácias é livre e não exige a apresentação de receita médica, por isso sua exposição nas gôndolas não possui qualquer restrição.
Todos os dias passam pelos supermercados brasileiros cerca de 28 milhões de pessoas. Ao analisar a realidade de várias localidades do Brasil, em muitas cidades pequenas, é necessário se deslocar por quilômetros para ter acesso à única farmácia disponível e, muitas vezes, há um mercadinho na região que poderia suprir a necessidade da população local. Os supermercados comercializaram os MIPs de 1994 a 1995 e, de acordo com levantamento do Hospital das Clínicas da USP, não ocorreu aumento do número de intoxicações naquele período. Além disso, os preços de muitos medicamentos caíram até 35%, de acordo com pesquisa da A.C. Nielsen, com destaque para os analgésicos e antitérmicos.
A comercialização de medicamentos isentos de prescrição em supermercados será um importante avanço para o Brasil, e já é uma realidade em vários países, como Estados Unidos, Canadá e Noruega, entre outros. Hoje, cerca de 22% dos municípios no Brasil têm apenas uma farmácia, podendo praticar quaisquer preços por falta de concorrência. As farmácias estão se tornando lojas de conveniência, e já vendem, além de remédios, ração, brinquedos, produtos de limpeza, alimentos e chinelos, entre outros itens. Não queremos que as farmácias tenham seus direitos restringidos, mas seguiremos lutando por um mercado mais igualitário, que possa gerar melhor competitividade. Reiteramos nosso compromisso com os brasileiros na oferta de medicamentos seguros e faremos isso com responsabilidade e transparência.
Por João Sanzovo Neto, Presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras)
Fonte: Zero Hora – 15/11/2019.