Desconto sindical sem anuência expressa do trabalhador é ilegal

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Também chamada de imposto sindical, a contribuição foi criada em 1940 por um decreto-lei e incorporada em 1943 à CLT, que manteve a cobrança obrigatória. A obrigatoriedade do recolhimento fez do imposto sindical o principal mecanismo de financiamento dos sindicatos brasileiros.

 

Em 2017, a reforma trabalhista transformou a cobrança em facultativa. O trabalhador passou a ter que manifestar a vontade em contribuir para seu sindicato, porém, através de instrumentos normativos, os sindicatos tentaram manter a cobrança com desconto na folha salarial.

 

Afinal, o desconto compulsório da contribuição sindical é legítimo?

 

Até outubro de 2017, mês anterior à vigência da Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), a contribuição sindical era devida por todos os trabalhadores que participassem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão (artigo 583 da CLT).

 

Na eventual inexistência de categoria profissional, o recolhimento era feito à federação correspondente à mesma categoria econômica ou profissional (artigo 591 da CLT).

 

A partir de novembro de 2017, com a vigência da Lei 13.467/2017, a contribuição deixou de ser compulsória. A lei nova estabeleceu que o desconto em folha do trabalhador só poderia ser realizado se houvesse a manifestação expressa do contribuinte.

 

Com a perda drástica de receita, os sindicatos aproveitaram as negociações coletivas para incluir, nas respectivas convenções de suas categorias representativas, cláusulas que obrigavam os trabalhadores a continuar contribuindo. O fundamento utilizado é que a norma vigente privilegia o negociado sobre o legislado e, com isso, garantir legitimidade para manter a compulsoriedade da contribuição.

 

A partir daí surgiram questionamentos a respeito da legitimidade de tais cláusulas normativas, já que o texto da lei expressamente dispõe sobre a anuência expressa do trabalhador.

 

Para as consultas realizadas, sempre respondemos que o desconto não deveria ser feito sem a manifestação do trabalhador, mesmo nos casos em que houvesse previsão na norma coletiva. E isto porque sempre deve prevalecer a norma mais benéfica para o trabalhador, além do que, há previsão expressa na lei para que o desconto não seja realizado sem anuência.

 

Para sanar eventual dúvida, a Medida Provisória 873/2019 alterou o artigo 582 da CLT, dispondo que, havendo autorização expressa do trabalhador, a contribuição sindical deveria ser feita exclusivamente por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico, encaminhado obrigatoriamente à residência do trabalhador ou, na hipótese de impossibilidade de recebimento, à sede da empresa, ou seja, sem desconto em folha salarial.

 

A MP 873/19 e os artigos 578, 579 e 582 da CLT estabeleceram que a contribuição sindical só seria devida nas seguintes condições:

 

·                     o empregado deverá requerer o pagamento da contribuição sindical, autorizando de forma prévia (por escrito), voluntária, individual e expressa, conforme dispõe o artigo 579 da CLT;

 

·                     a autorização deverá ser feita de forma individual (preferencialmente contendo nome, cargo, setor, CPF, CTPS e PIS do trabalhador) e diretamente para o sindicato.

 

O texto da MP 873 tornava nula a obrigação de recolhimento da contribuição sem a autorização do trabalhador, mesmo que referendada por negociação coletiva ou assembleia geral, além de especificar que qualquer outra taxa instituída pelo sindicato, ainda que prevista no estatuto da entidade ou em negociação coletiva, somente poderia ser exigida de quem fosse efetivamente filiado. Isso sanou a dúvida existente quanto à ausência de legitimidade das cláusulas normativas que tornaram a contribuição compulsória da mesma forma anterior à Lei 13467/17.

 

Porém, por não ter sido votada pelo Congresso Nacional, a Medida Provisória 873/2019 deixou de produzir seus efeitos em 29 de junho.

 

Entretanto, ressalte-se que, mesmo perdendo sua validade a partir da citada data, a MP teve eficácia legal durante o período em que esteve vigente, ou seja, de 1º de março a 28 de junho.

 

A perda de validade da MP 873/2019 retoma as discussões entre trabalhadores e causa dúvida nos setores de pessoal e recursos humanos das empresas. E agora? Se o sindicato cobrar a contribuição, esta deverá ser descontada em folha?

 

Independente da perda de validade da MP 873, (i) ninguém é obrigado a filiar-se a sindicato; (ii) e nenhum trabalhador é obrigado a contribuir com um dia de trabalho em favor do sindicato, desde novembro de 2017. Literalidade. Legalidade.

 

Com a perda da validade da MP 873/2019, obviamente que os sindicatos retomarão cobranças e tentarão confundir novamente o contribuinte, empresas e trabalhadores, da mesma forma que estava sendo feito, qual seja, de tentar demonstrar legitimidade das normas coletivas que preveem a cobrança, privilegiando o negociado sobre o legislado.

 

Havendo ou não previsão em norma coletiva, mesmo com a perda de validade da MP 873, a contribuição sindical somente será devida na forma como estabeleceu a Lei 13.467/2017, ou seja, o desconto em folha de pagamento necessita de autorização expressa (por escrito) por parte do trabalhador.

 

Esse é o entendimento de nosso Supremo Tribunal Federal, que julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.794, ratificando a necessidade de autorização expressa dos trabalhadores que desejam contribuir com seus respectivos sindicatos.

 

Destaque-se que a ministra Cármen Lúcia, citando o também ministro Luiz Fux, suspendeu liminarmente os efeitos de acórdão prolatado pelo TRT da 4ª Região, nos autos da RCL 34.889 MC/RS:

 

"Em 29.6.2018, este Supremo Tribunal Federal julgou improcedentes os pedidos formulados na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.794/DF e assentou a constitucionalidade da nova redação dada pela Lei n. 13.467/2017, aos artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da Consolidação das Leis do Trabalho, que exigem autorização prévia e expressa daqueles que participam de uma categoria profissional, a fim de que o desconto da contribuição sindical possa ser realizado.

 

O Ministro Luiz Fux, redator para o acórdão, ressaltou que “a Lei nº 13.467/2017 emprega critério homogêneo e igualitário ao exigir prévia e expressa anuência de todo e qualquer trabalhador para o desconto da contribuição sindical, ao mesmo tempo em que suprime a natureza tributária da contribuição, seja em relação aos sindicalizados, seja quanto aos demais, motivos pelos quais não há qualquer violação ao princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da Constituição), até porque não há que se invocar uma limitação ao poder de tributar para prejudicar o contribuinte, expandindo o alcance do tributo, como suporte à pretensão de que os empregados não-sindicalizados sejam obrigados a pagar a contribuição sindical” (DJe 1º.8.2018)

(...)

Consideradas a plausibilidade jurídica dos argumentos expendidos pela reclamante e a possibilidade de ser ela obrigada a dar início aos descontos relativos à contribuição sindical, impõe-se a suspensão dos efeitos do acórdão reclamado.

 

6. Pelo exposto, sem prejuízo da reapreciação da matéria no julgamento do mérito, defiro a medida liminar requerida para suspender os efeitos do acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região no Recurso Ordinário n. 0020275- 53.2018.5.04.0405 (inc. II do art. 989 do Código de Processo Civil)".

 

O TRT da 4ª Região havia dado provimento ao recurso interposto pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas de Caxias do Sul, sob fundamento de que a assembleia geral "preenche os requisitos legais que justificam a determinação de seu recolhimento".

 

Além da ministra Cármen Lúcia, o ministro Luís Roberto Barroso reformou decisão do TRT da 1ª Região que havia legitimado acordo coletivo de uma empresa para que a contribuição sindical fosse descontada em folha de pagamento. O ministro destacou que o desconto deve ser uma manifestação individual do trabalhador.

 

O entendimento do Plenário do Supremo, que em junho de 2018 rejeitou 19 pedidos de sindicatos para tornar novamente obrigatória a contribuição sindical, corrobora e ratifica o texto de lei, qual seja, de que o desconto não pode ser realizado sem anuência do trabalhador.

 

O STF, que já entendeu pela constitucionalidade da Lei 13.467/17, "que privilegia os princípios da liberdade sindical, de associação e de expressão, entendendo que, para esta contribuição específica — sindical —, a autorização deve ser individual e expressa", certamente reformará o julgado, impedindo que haja futuras cobranças compulsórias da contribuição.

 

Até que a questão seja sanada — o governo federal estuda o envio de projeto de lei ao Congresso para regulamentar o recolhimento da contribuição sindical —, o desconto em folha somente deverá ser realizado mediante a anuência expressa do trabalhador, ainda que haja previsão em norma coletiva que mencione o contrário. E isto porque a Lei 13.467/17 veda o desconto compulsório, como era realizado até outubro de 2017.

 

Por Rodrigo Papazian - sócio do VC Advogados.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico – 20/07/2019


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