Para operadores do Direito, inadimplência não pode ser comparada com sonegação

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Em meeting jurídico promovido pela Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), na semana passada, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4)Leandro Paulsen e o advogado e professor Luciano Feldens debateram a criminalização da inadimplência tributária. Mediado por Rafael Wagner, da divisão jurídica da federação, o evento teve como foco central a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que considerou, em 2018, crime de apropriação indébita tributária o simples inadimplemento de ICMS devido em operações próprias.

 

Para Feldens, o evento reforçou a importância de se tratar sobre o tema tributação e criminalização de forma conjunta. "A intenção foi de compatibilizar um tema que acaba redundando em decisões judiciais, afetando diretamente o setor produtivo, o empresário e a empresa, e que haveria uma situação bastante específica em relação ao não recolhimento do ICMS próprio, uma decisão importante para o STJ que, por maioria, acabou reconhecendo como crime a situação em que o empresário, embora tenha contabilizado regularmente o imposto devido pela operação, acaba deixando de recolhê-lo por alguma contingência econômica aos cofres públicos", disse o advogado.

 

"A sonegação normalmente vem atrelada a um tom pejorativo de fraude, então é preciso diferenciar claramente o que é uma sonegação fraudulenta, ou seja, um verdadeiro crime e o que é o descumprimento de uma obrigação acessória ou o recolhimento de tributo devido pela operação", continuou.

 

Conforme o professor, quando se fala em sonegação fiscal, há modalidades claras de crime dentro da mesma lei. "Na sonegação fiscal fraudulenta acaba havendo não apenas um não pagamento, mas um não pagamento que decorre de uma situação anterior, de uma fraude, seja de falsificação de documentos, seja de omissão de informações, o que não existe nesse caso em específico que nós estamos falando (no meeting)", explicou.

 

Feldens mostrou em slides recortes de jornais da época do governo Fernando Collor, referentes à Lei nº 8.137/90, conhecida como "lei da sonegação fiscal". Uma das matérias citava que remarcações de preços poderiam resultar em até cinco anos de prisão. "Desde aquela época, o governo utiliza o recurso penal para questões tributárias como um corticoide jurídico".

 

Além disso, o advogado defendeu que é preciso haver uma lei mais clara acerca da tributação e reforçou a importância de separar a sonegação da inadimplência. "Estamos falando de uma decisão que afeta centenas de milhares de empresários no País por 5 votos a 3, uma decisão que não foi unânime", observou. Para ele, é necessário que mudanças profundas sejam realizadas na atual legislação. "Temos uma complexidade absurda, e isso acaba por complicar ainda mais as relações econômicas do País. O que se pede é que essa situação seja compreendida, também, pelas instâncias superiores", completou.

 

Direito Penal deveria ser utilizado contra sonegação ou apropriação indébita, afirma desembargador

 

Durante o meeting jurídico, o desembargador Leandro Paulsen, que integra a turma do TRF-4 e que julga parte expressiva dos processos relativos à operação Lava Jato, avaliou a orientação do Supremo Tribunal de Justiça como equivocada, uma vez que prejudica o crescimento dos estados, que dependem das empresas bem-sucedidas para crescer. "Temos que resgatar nossa economia, transformar nossa capacidade em resultado. No contexto regional, nossa carga tributária já é bem elevada, seja na energia ou nos combustíveis", disse.

 

Conforme Paulsen, os empresários se depararam com a alteração do STJ em um contexto difícil, de crise e alta taxa tributária. Por conta disso, o desembargador defende a separação entre a sonegação proposital e recorrente, que deve ser punida criminalmente, e a inadimplência, fruto de dificuldade financeira. "É preciso igualdade na tributação, não é possível que alguns carreguem o piano enquanto outros escapam. Uma coisa é a atuação fraudulenta e outra é o inadimplemento".

 

Segundo o magistrado, o uso do Direito Penal deveria ser utilizado contra a sonegação ou apropriação indébita, diferente de inadimplemento, que deveria ser apreciado apenas na área tributária. Para ele, um dos principais erros relativos à atual legislação tem sido igualar a sonegação, proveniente de fraude, com inadimplência tributária, quando a pessoa jurídica emite as guias de pagamentos dos tributos e não os recolhe. No entendimento do desembargador, ambas as situações deveriam ser punidas. "São crimes contra a ordem tributária, porém, cabe à legislação e até mesmo à Justiça modificar e entender a situação do empresário, que declarou, mas não pode recolher aos cofres públicos os valores", argumentou. "Isso não significa autorizar a sonegação. É questão de justiça. Se deve, precisa pagar com correção moratória, e não multa. Mas se a situação for contrária, quando há fraude comprovada, deve-se aplicar a lei, inclusive com o cerceamento de liberdade. Dívida tributária é, sem dúvida, mais importante que as de ordem privada, pois inviabiliza a contrapartida Estado-sociedade."

 

Atualmente o inadimplemento tributário pode gerar de seis meses a dois anos de reclusão por período não recolhido, acrescido de juros e multas. De acordo com a Súmula nº 631 do STJ, a quitação dos impostos não extingue a punibilidade, o que foi amplamente criticado pelos painelistas.

 

Paulsen defendeu fortemente que o uso do Direito Penal fique restrito à sonegação e à apropriação indébita de créditos tributários, e classificou como "esdrúxula" a inclusão da inadimplência não intencional nesse mesmo cenário. Conforme o desembargador, o texto não leva em consideração que os empresários não recebem imediatamente os valores sobre os produtos comercializados, enquanto a tributação já é cobrada pelo Tesouro.

 

Ao final do meeting, ele considerou as questões tributárias como "complexas", mas se mostrou otimista quanto às iniciativas de mercado. "A administração pública tem que se modernizar, existem iniciativas positivas no governo federal com relação à visão de mercado. Hoje se tem boas perspectivas e um olhar moderno que cria condições. Nós já chegamos no fundo do poço, agora é hora de nos reerguermos", finalizou.

 

 

Fonte: Jornal do Comércio RS – 03/07/2019


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