Startups da lei, legaltechs prometem o fim do 'trabalho braçal' de advogados

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O número de processos judiciais de grandes corporações, como bancos e varejistas, chega facilmente aos milhares. Seja na Justiça trabalhista ou civil – especialmente a tributária –, o cardápio de problemas jurídicos é variado. Oportunidade ideal para ganhos de escala trazidos pela tecnologia, como fez a startup Mediação Online (MOL). A empresa oferece serviço de conciliação por meio de chat ou videoconferência entre as partes envolvidas num processo, com participação de um mediador que ela mesma treina. 


Fundada em 2015, a empresa tem clientes como Itaú e Caixa. Em 2018, recebeu mais de 38 mil pedidos de conflitos para resolver. Em janeiro, recebeu prêmio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por seu trabalho, capaz de aumentar a eficiência do Judiciário. 


A MOL faz parte de um grupo específico de startups que começa a ganhar espaço no mundo: as legaltechs (ou ainda lawtechs), que oferecem soluções para a área do Direito. De acordo com o Crunchbase, foram investidos US$ 825 milhões em legaltechs em 2018, um aumento de 170% em relação ao ano de 2017. 


Por aqui, o mercado ainda é incipiente, mas dá sinais de crescimento. Segundo apurou o Estado, está prevista para o segundo semestre a criação de um fundo de R$ 100 milhões voltado a investir em legaltechs brasileiras, com captação local e estrangeira. 


Um dos idealizadores do fundo, ainda sem nome, é Alex Cukier, fundador da legaltech InPact. “Há uma curva de maturação no setor”, diz. “Hoje, já existe uma consciência no mercado de que empresas podem economizar com tecnologias criadas para o setor jurídico.” 


As startups da área também já estão reunidas em uma associação própria: fundada em 2017, a Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs, a AB2L, tem hoje 200 associadas e promoveu diversos eventos sobre inovação e direito. “Percebemos que era preciso uma instituição evangelizadora para mudar o mercado jurídico tradicional”, afirma Bruno Feigelson, presidente da associação, ao Estado. “O advogado é o último ‘bicho’ na cadeia tecnológica: ele fala latim em um mundo em que as pessoas se comunicam por emoji”. 


Inspiração. Para Camilla Lopes, fundadora da MOL, as startups do setor se inspiram em outra onda do mercado de inovação – as fintechs (startups de serviços financeiros), que estão desafiando bancos e corretoras. “Só agora as faculdades de Direito estão ensinando sobre tecnologia aos alunos. Nosso sistema jurídico tem muitas oportunidades”, diz ela, que captou US$ 1 milhão em aportes para sua startup. 


O que não falta no Brasil é problema legal para ser resolvido. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos 80 milhões de processos que tramitavam no Judiciário brasileiro em 2017, cerca de 94% ainda estão estacionados na primeira instância. Além disso, segundo dados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o País tem mais de 1,2 milhão de advogados. 


São números que, na visão de Pedro Henrique Ramos, líder do comitê de assuntos jurídicos da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), justificam o motivo das legaltechs podem ser um dos setores de maior crescimento em tecnologia nos próximos anos. 


Fundador da startup americana Casetext, Anand Upadhye concorda. “É impressionante o nível de energia e entusiasmo dos profissionais de Direito do Brasil”, disse ele ao Estado, após visitar o País para um evento do setor, o New Law Annual Meeting, no fim de março. Sua empresa, que já levantou US$ 20,8 milhões em aportes, hoje usa inteligência artificial para ler e filtrar documentos jurídicos para cerca de 3 mil clientes. 


Demanda. A demanda por informações que ajudem os advogados a tomar decisões foi o que levou o empreendedor Marcos Speca a montar a startup Legal Insights, plataforma de análise de dados para o setor jurídico. A ferramenta é capaz, por exemplo, de indicar para clientes como Magazine Luiza que determinado produto ou serviço gera mais processos judiciais. Speca, no entanto, não é advogado – mas sim formado em ciência da computação. 


“No começo, tive receio de conversar com advogados sem ser da área”, diz. “Mas conforme conversamos com os clientes, percebemos que a dificuldade maior deles é a gestão das informações. Conhecimento jurídico eles têm.” 


Uma das principais aflições das legaltechs é conseguir espaço em um mercado com muitas estruturas engessadas. Foi um dos desafios da startup OriginalMy, que usa a tecnologia do blockchain para autenticar documentos e participou do programa de residência do Campus, do Google, entre 2017 e 2018. 


Para Edilson Osório Jr, fundador da empresa, os advogados só aceitam uma nova tecnologia quando eles se sentem confortáveis. “Investimos na educação do mercado. Estamos sempre em contato com alunos de Direito, professores, juízes e advogados explicando que o modelo eletrônico para autenticar documentos é melhor e mais seguro”, diz. 


Para Feigelson, outro ponto que pode ajudar na adoção da tecnologia pelos escritórios é a presença de uma startup que se destaque perante o setor. “Não temos ainda um grande nome como o setor de fintech tem o Nubank”, afirma. Para ele, conforme casos de sucesso apareçam, também deve aumentar o investimento de capital de risco em startups do setor. 


Já a rivalidade entre robôs e humanos não deve ser vista como um problema para o crescimento das legaltechs – que propõe soluções para facilitar e eliminar operações burocráticas. “É ilusão achar que robôs vão substituir pessoas no trabalho jurídico”, diz Arthur Braga Nascimento, presidente da comissão de startups da OAB/SP. “Análise de certidões é algo braçal e a startup vai trazer velocidade, enquanto o advogado gasta seu tempo na parte mais intelectual.” 


Giovanna Wolf - O Estado de S. Paulo

 

Fonte: Clipping Eletrônico AASP – 05/04/2019

 


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