Receita Federal pretende fiscalizar operações com moedas virtuais

Leia em 5min 30s

A Receita Federal pretende criar, ainda este ano, um meio para fiscalizar as operações com criptomoedas. Após fazer diligências nas corretoras que atuam nesse mercado para entender como controlam as próprias atividades, o órgão elaborou uma minuta de instrução normativa, que abriu para consulta pública em seu site. Por meio de uma nova obrigação acessória, o órgão pretende acompanhar melhor as operações com moedas virtuais, o que poderá elevar a arrecadação.


Além disso, a Receita espera que a medida evite o uso de criptoativos para sonegação fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro. A preocupação do órgão leva em consideração a evolução desse mercado. As negociações com bitcoin – um dos principais criptoativos usados no país -, por exemplo, cresce ano a ano e, em 2017, atingiu a casa dos bilhões. Para este ano, a expectativa é que alcance um valor entre R$ 18 bilhões e R$ 45 bilhões.


Pelo texto, estarão obrigadas a enviar as informações as corretoras (exchanges) e as empresas ou pessoas físicas cujas transações forem realizadas diretamente ou via corretoras domiciliadas no exterior, sempre que o valor mensal das operações ultrapassar R$ 10 mil. Ainda de acordo com a minuta, será cobrada multa de até 3% do valor da operação por omissão. Para prestação de dados fora do prazo, a penalidade será de R$ 1,5 mil. E se houver indício de algum delito, o órgão comunicará o Ministério Público.


Segundo Iágaro Jung Martins, auditor-fiscal e subsecretário de fiscalização, a Receita Federal estuda implementar um sistema semelhante ao do Japão, pelo qual as corretoras controlam e repassam as informações ao Fisco. "Investigamos algumas empresas que atuam nesse ramo para saber qual a melhor forma de identificar, com rapidez, quem são essas pessoas que compram os criptoativos", disse Martins.


Hoje a Receita só consegue dados sobre essas transações por meio das declarações de Imposto de Renda (IR). Incide alíquota de 15% a 22,5% de IR sobre o ganho de capital decorrente da venda de criptomoedas.


Ao Valor, o subsecretário de fiscalização esclareceu que, se a criptomoeda é adquirida de corretora brasileira, deve ser declarada como ativo no Brasil, ainda que a compra tenha sido realizada com moeda estrangeira. "A exchange no Brasil entrega o ativo com o preço em reais. É com base nesse valor que deve ser calculado eventual ganho de capital", afirmou Martins.


Quem faz "mineração" de bitcoins, de acordo com o subsecretário, também deve tributar ganho de capital decorrente das transferências de moeda virtual. A mineração é a atividade de registro das transações com bitcoin em um livro público chamado de blockchain, que costuma ser paga por meio de novas moedas virtuais. "Mas os custos com software e energia [o que não for ativo imobilizado] dessas mineradoras podem compor o custo de aquisição delas, desde que haja comprovação desses custos", disse Martins. Essas despesas reduzem a carga tributária.


Quando a consulta pública foi aberta, empresas como a Atlas Quantum, fintech que possui mais de R$ 165 milhões em custódia, enviaram propostas por meio da Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB). "A regulamentação é importante, mas a Receita precisa considerar que esse é um mercado emergente, composto em grande parte por fintechs e startups que precisam de um prazo e condições para cumprir as novas obrigações. Ou corre-se o risco de se prejudicar o desenvolvimento do setor e da própria tecnologia", diz Emilia Campos, diretora jurídica da fintech.


A ABCB sugeriu, segundo Emilia, que somente transações acima de R$ 35 mil por mês – em vez de R$ 10 mil – sejam informadas ao Fisco. "Isso porque esse é o valor limite para a isenção do imposto por ganho de capital", afirma a advogada.


A entidade também pediu para retirar os custodiantes – que armazenam moedas virtuais de terceiros – da lista de obrigados a cumprir com a obrigação acessória. "As transações realizadas por esses players não são passíveis de ganho de capital", diz Emilia.


Apesar de também serem favoráveis à criação de algum tipo de controle para evitar sonegação e lavagem de dinheiro, tributaristas fazem alguns alertas sobre o texto da Receita. A advogada Ana Utumi, do escritório Utumi Advogados, destaca o fato de a minuta exigir a prestação mensal de informações, e não trimestral ou semestral. "Ainda me chamou a atenção o fato de, no caso de pessoas físicas, ter que ser informado o valor de mercado. Como regra geral, ativos são avaliados a valor de custo", diz. Isso aumenta a base tributável.


Embora a instrução normativa não aborde o assunto, Ana destaca ainda que pode ser considerado crime usar criptomoedas para substituir operações de câmbio (compra e venda de moeda estrangeira). Segundo a Lei nº 7.492, de 1986, efetuar operação de câmbio não autorizada, com a finalidade de promover evasão de divisas do país, pode levar à reclusão, pelo período de dois a seis anos, e multa. Por sonegação fiscal, o contribuinte pode ficar detido por até dois anos (Lei nº 4.729, de 1965). No caso de lavagem, por até dez anos (Lei nº 9.613, de 1998).


Para o tributarista Maurício Barros, do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, como a nova obrigação acarretará uma maior burocratização das atividades das exchanges, a Receita deveria criar um período de transição. "Sem a aplicação de multas, para ressaltar a orientação e não a punição dessas empresas", afirma.


As corretoras, segundo advogados, temem que a nova obrigação burocratize tanto a vida das pessoas físicas que prejudique o mercado. "Até as pessoas físicas terão que fazer a declaração por intermédio de certificado digital", diz Fabíola Keramidas, do K&MC Advocacia.


Segundo Fabíola, o Instituto de Pesquisas Tributárias (IPT), entidade da qual faz parte, também enviou algumas propostas à Receita. Entre elas está o pedido para liberar os domiciliados no Brasil de assinatura digital. O IPT também pediu a exclusão ou alterações das multas por descumprimento da nova obrigação acessória. "Não é permitido à Receita criar penalidades por meio de instrução normativa. Seria necessário que a norma fizesse referência à alguma lei ou que fossem instituídas por lei", diz a advogada.


Laura Ignacio | De São Paulo


Fonte: Valor Econômico – 03/12/2018.


Veja também

Quem reduzir consumo de energia terá bônus na conta, diz secretário

Bônus será para quem economizar 10% de energia com relação a 2020   O Brasil passa pel...

Veja mais
Confaz prorroga até 31 de dezembro a isenção de ICMS sobre transporte no enfrentamento à pandemia

Convênios prorrogados também amparam empresas, autorizando que os estados não exijam o imposto por d...

Veja mais
Mapa estabelece critérios de destinação do leite fora dos padrões

PORTARIA Nº 392, DE 9 DE SETEMBRO DE 2021   Estabelece os critérios de destinação do le...

Veja mais
Empresa não deve indenizar por oferecer descontos apenas a novos clientes

Não há vedação legal para que fornecedores de serviços ofereçam descontos apen...

Veja mais
Justiça do Trabalho é incompetente para execução das contribuições sociais destinadas a terceiros

A 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ), ao julgar um agravo de petiç&...

Veja mais
Corte Especial reafirma possibilidade de uso do agravo de instrumento contra decisão sobre competência

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu embargos de divergência e reafirmou o entend...

Veja mais
Partidos questionam MP sobre remoção de conteúdo das redes sociais

Seis legendas buscam no STF a suspensão dos efeitos da norma assinada pelo chefe do Executivo federal.   O...

Veja mais
Consumo das famílias cresce 4,84% em julho, diz ABRAS

Cebola, batata e arroz foram os produtos com maiores quedas no período   O consumo das famílias bra...

Veja mais
Lei que prorroga tributos municipais na epidemia é constitucional, diz TJ-SP

Inexiste reserva de iniciativa de projetos de lei versando sobre matéria tributária, a teor do dispos...

Veja mais