Advogados apostam em novo modelo de negócio

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Escritórios compactos, que demandam menos gastos, e uma rotina de trabalho mais flexível. Advogados, principalmente entre 30 e 40 anos, vêm tentando reinventar a roda. Eles querem mudar o perfil e a imagem do que se tinha até pouco tempo das firmas bem-sucedidas no Brasil.

 

Há um movimento nesse sentido especialmente em São Paulo. Um dos primeiros escritórios a adotar a estratégia foi o ASBZ. A banca se lançou no mercado com a proposta de ser um ambiente despojado e de políticas atraentes aos jovens profissionais. "Decidimos não abraçar formalismos sem sentido. A gravata, por exemplo, foi um deles. Usa quem quer", diz Guilherme Amaral, sócio conselheiro e diretor de relacionamento da banca.

 

Pouco depois, o Viseu Advogados, que até então se apresentava como uma firma tradicional, virou de ponta a cabeça. Criou uma estrutura permanente de home office em São Paulo, que permite à metade dos advogados da firma trabalharem de casa, e transferiu toda equipe do Rio para um prédio do WeWork, um dos mais conhecidos de coworking do mundo.

 

Há uma razão prática, mas também estratégica para a mudança, contextualiza Gustavo Viseu. "É um momento de networking. Nos permite estar em contato com outras indústrias. Temos atendido muitas startups, por exemplo, que usam bastante esses espaços."

 

Recentemente foi a vez de Daniel Carneiro girar a chave. Ele retornou de uma temporada em Harvard convencido de existir espaço no Brasil para um modelo de negócio jurídico diferente. Investiu pesado em tecnologia e economiza ao máximo em despesas com estrutura física. Toda a comunicação da firma que fundou, o DC Associados, ocorre por um aplicativo desenvolvido no Vale do Silício.

 

Carneiro diz que a ideia tem a ver com o não desperdício de recursos e também com a proposta de oferecer um serviço tão eficiente quanto o de um escritório tradicional por um valor mais atrativo.

 

O DC fica em um prédio comercial na Chácara Santo Antonio, zona sul de São Paulo, longe do frisson das avenidas Paulista e Faria Lima. O espaço é compacto e moderno. Sem salas fechadas e ambientes setorizados. Os advogados também não usam gravata e gravam vídeos para o Instagram e o LinkedIn para enviar alertas aos clientes sobre decisões judiciais relevantes.

 

Essa mudança de comportamento não é exclusiva do Brasil. Ao contrário, diz Mariana Horno, gerente sênior de recrutamento da Robert Half, uma das maiores empresas de RH do mundo. Está associada a uma tendência global de redução da burocracia.

 

Jovens profissionais têm dado preferência a organizações menos formais, onde as pessoas se conectam de forma mais fácil. "Ambientes meritocráticos despertam mais interesse. São locais onde o esforço e a velocidade acabam acontecendo de forma mais natural se comparado a ambientes mais burocráticos", afirma a especialista em RH.

 

No DC, todos os profissionais migraram de escritórios tradicionais e 90% da equipe têm mais de 15 anos de experiência. Daniel Carneiro diz que a banca é diferente da organização tradicional do setor, que aplica um modelo de pirâmide: tem o advogado júnior na base, reportando-se ao advogado pleno, que se submete ao sênior, que responde ao sócio.

 

Além disso, acrescenta, os advogados gerenciam o próprio tempo e têm liberdade para escolher de onde querem trabalhar. Em casa, no escritório ou qualquer parte do mundo com acesso à internet. Uma das advogadas, por exemplo, mora no Equador e outra em Portugal. "Vi excelentes advogados desistindo da profissão porque não conseguiam conciliar o trabalho com a família", afirma.

 

Gustavo Viseu viu a rotatividade de profissionais diminuir no seu escritório quando foi adotado o programa de home office. Dos cem advogados que fazem parte da sede, em São Paulo, metade trabalha permanentemente de casa. O modelo foi adotado quando umas das sócias ficou grávida e pediu para fazer home office. "Deu tão certo que acabamos ampliando", diz.

 

Segundo ele, cada um faz a própria rotina. Quem trabalha em casa evita tempo perdido no trânsito e reduz gastos com transporte e alimentação e, na outra ponta, para a banca, há economia de espaço – o que significa menos despesas para manter a estrutura.

 

Cobrar horário de entrada e saída dos funcionários também não faz parte do dia a dia do ASBZ. Menos ainda atribuir o sucesso do profissional à quantidade de horas trabalhadas. Tanto que Guilherme Amaral, sócio conselheiro da banca, e os colegas que criaram a firma abriram mão do chamado "timesheet", modelo comum no setor, que calcula as horas dedicadas para cada atividade ou processo.

 

O escritório apostou no trabalho em equipe. O pagamento do bônus, por exemplo, tem base no desempenho coletivo e não nas metas individuais. Todos os 120 advogados da banca são sócios e participam de assembleias e tomada de decisões.

 

Já o modelo implementado por Daniel Carneiro foi inspirado no americano. Esse formato começou nos Estados Unidos com a Axiom Legal, empresa de serviços jurídicos nascida nos anos 2000.

 

Mark Harris, um dos fundadores, costuma contar em entrevistas que o "turning point" ocorreu quando trabalhava no Davis Polk, um dos escritórios mais conhecidos de Nova York. Ele diz ter percebido que o setor precisava de mudanças ao se deparar com a conta de um cliente. O pagamento pelo trabalho de um mês era maior que o salário recebido por ele ao longo do ano. Com os números em mãos, percebeu o quanto era necessário para manter aquela estrutura.

 

Foi a partir desse episódio que teve a ideia de apresentar ao mercado uma estrutura enxuta, mas eficiente. O projeto inicial previa a contratação de advogados altamente qualificados – a maioria proveniente de grandes bancas e departamentos jurídicos de empresas – para trabalhar em home office ou sede dos clientes.

 

Em 2007, ano de crise econômica e forte pressão dos clientes para que as bancas baixassem preços, o modelo ganhou força. E fez surgir uma nova geração de empresas jurídicas.

 

Joice Bacelo - São Paulo

 

Fonte: Valor Econômico – 24/09/2018.

 

 


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