Desconto de dívida em conta corrente não gera danos morais

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Apesar de vedar o desconto de valores de conta corrente para o pagamento de empréstimo, por meio de súmula, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a prática, se prevista em contrato, não gera danos morais. Para os ministros da 4ª Turma, a medida não pode considerada um ato ilícito. O recurso analisado é do Itaú Unibanco.

 

Em seu voto, o relator do caso (Resp 1.390.570), desembargador convocado Lázaro Guimarães, afirma que seu entendimento não contraria a Súmula 603, aprovada em fevereiro. O texto diz que "é vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo (comum) contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa". Só abre exceção para o empréstimo consignado.

 

De acordo com ele, não houve, no caso, conduta ilícita, para fins de caracterização de danos morais. "Não se verifica que os descontos se tratem de retenção indevida, pelo banco mutuante, de vencimentos do correntista para adimplir o mútuo, hipótese que, de fato, configuraria ato ilícito nos termos da Súmula 603/STJ, capaz de gerar dano moral indenizável", afirma em seu voto.

 

O entendimento foi o mesmo da segunda instância, que, anteriormente, havia autorizado os descontos. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) limitou a retenção a até 30% do salário do devedor. Porém, negou indenização com base no contrato.

 

O próprio relator mudou de entendimento, Em março, após recurso do devedor ao STJ, considerou que a decisão era contrária à Súmula 603 e estabeleceu indenização de R$ 5 mil por danos morais. O banco recorreu e a 4ª Turma resolveu, em junho, afastar a indenização. Não ficou claro, porém, se os descontos foram considerados válidos.

 

A questão é importante diante do quadro de inadimplência no país. Mais da metade das famílias brasileiras está endividada, de acordo com pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O percentual de endividamento com cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro era de 58,6% em junho – pouco menor que os 59,4% de junho de 2017. Do total, 9,4% consideram que não teriam condições de pagar o que devem.

 

Representantes do setor e até ministros do tribunal superior consideram que a impossibilidade de reter os valores pode refletir nas taxas de juros cobradas pelos bancos por afastar uma garantia de pagamento. Apesar da súmula, as instituições financeiras não desistiram da disputa – que não deve ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal por não envolver argumentos constitucionais, segundo advogados.

 

De acordo com o advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Walter Moura, os bancos têm tentado mudar o entendimento dos ministros do STJ. Moura não considera que a súmula seja exatamente uma vitória dos consumidores, por causa da referência ao empréstimo consignado. Segundo o advogado, o texto autoriza a retenção, o que o Idec também considera ilegal. Alguns tribunais, acrescenta, não autorizavam o desconto de salário mesmo em casos de consignado.

 

"Nas leis e nas súmulas tudo é ideal. Mas os casos que chegam ao Idec são gravíssimos’, afirma o advogado, acrescentando que há processos de devedores que têm todo o salário retido para pagar dívidas que contraíram. "Há uma oferta irresponsável de crédito. O banco empresta sabendo que a pessoa não vai pagar."

 

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) considera o débito em conta e em folha de pagamento mecanismos importantes para a segurança do crédito e conveniência do cliente. Por meio de nota, a entidade afirma que a Súmula 603 valida o débito em folha no empréstimo consignado e que recentes julgamentos do STJ reconhecem, como regular, a contratação de débitos em conta corrente para pagamento de empréstimos e de cheque especial.

 

Antes da súmula, a jurisprudência sobre o assunto não era consolidada no STJ, segundo João Gondim, sócio do escritório Gondim Albuquerque Negreiros Advogados. Em agosto de 2017, a 4ª Turma havia decidido que o desconto era possível, afastando, inclusive, o teto de 30% da remuneração líquida. A 3ª Turma, por sua vez, aplicava o limite, seguindo determinação da Lei nº 10.820, de 2003, que trata do crédito consignado.

 

O advogado é contrário à súmula. Gondim lembra que a legislação permite, por exemplo, a penhora de bem de família dado em garantia (artigo 3º, V, da Lei nº 8.009, de 1990). "É o mesmo conceito, abro mão de uma garantia legal e assumo que posso dar aquele bem como pagamento de minha dívida", afirma.

 

No entendimento do advogado Lucas Sant’Anna, sócio de Contencioso do Machado Meyer, o STJ, com a edição da súmula, privilegiou apenas a ideia de que o consumidor é hipossuficiente. Para ele, além de possível dificuldade para concessão de crédito e aumento da taxa de juros, a súmula pode incentivar a judicialização. Como os bancos não poderão bloquear os valores em conta automaticamente, acrescenta, terão que recorrer à Justiça.

 

Por nota, o Itaú afirma que os dois recentes precedentes do STJ (o caso julgado pela 4ª Turma e outro ainda sem decisão publicada) seguem a jurisprudência e validam os débitos contratados para pagar empréstimo e cheque especial, "conferindo segurança ao crédito e comodidade ao cliente". O advogado do devedor não foi localizado pela reportagem.

 

Beatriz Olivon – Brasília

 

Fonte: Valor Econômico – 22/07/2018.

 

 


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