Para retomar transporte de carga, empresas ignoram tabela de frete

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Enquanto governo, caminhoneiros e setor produtivo tentam encontrar uma solução para o tabelamento do frete, empresas descumprem o preço mínimo, mesmo correndo o risco de serem punidas

 

BRASÍLIA - A tabela que fixa um preço mínimo para o frete rodoviário, anunciada pelo governo no fim de maio, está sendo descumprida. Com a indefinição em torno do tabelamento, as empresas têm transportado suas cargas a preços de mercado, mesmo correndo o risco de serem punidas. Em caso de descumprimento, o caminhoneiro pode entrar na Justiça e pedir uma indenização equivalente ao dobro da diferença entre o preço da tabela e o que foi efetivamente pago. Os motoristas, no entanto, aceitam o valor mais baixo para não ficar sem trabalho.

 

“A efetividade da tabela é bem menor do que se poderia esperar”, afirma a técnica da área de Logística da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Elisangela Lopes. “Não há ambiente para o cumprimento dela.” A tabela de frete consta de uma resolução editada no dia 30 de maio pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), como parte do acordo que pôs fim à greve dos caminhoneiros. Após pressão das empresas, o governo editou outra resolução, que revogou a anterior e substituiu as tabelas. Diante da revolta dos caminhoneiros, o governo recuou novamente e revogou a segunda tabela. No entendimento geral, o que está em vigor é a primeira resolução, a do dia 30 de maio. Mas há quem considere essa conclusão pelo menos discutível. Também há um entendimento de que os contratos firmados antes dessa data não precisam seguir o tabelamento.

 

No momento, o setor produtivo aguarda o desfecho da discussão sobre a constitucionalidade da tabela no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas já há no mercado quem busque alternativas para discutir juridicamente a eventual aplicação de penalidade por descumprimento da tabela. As empresas poderão argumentar que a tabela é inaplicável. No caso dos grãos, por exemplo, ela dá o preço para o transporte do produto num caminhão de cinco eixos. Mas o usual para esse tipo de carga são veículos com sete ou nove eixos. Para esses, a tabela não traz preços.

 

Segundo Elisangela, da CNA, a tabela vem sendo aplicada em cargas perecíveis que percorrem curtas distâncias. Mas à medida que a quilometragem aumenta, a tabela vai tornando o transporte inviável. Se o produto pode ser armazenado, isso passa a ser uma opção temporária para a empresa. Dependendo de onde estão, os produtores de soja e milho preferem guardar a produção.

 

A parcela da produção que vem sendo escoada é a que está perto dos portos. No Centro-Oeste, os grãos que não precisam viajar muito para chegar à Ferrovia Norte-Sul estão embarcando.

 

“Muitas empresas estão seguindo o tabelamento, mas outras não”, admite o representante dos caminhoneiros autônomos Wallace Landim, o “Chorão”. Na sua opinião, a ANTT precisa atuar para garantir o cumprimento da lei. “Algumas pessoas estão aceitando preço abaixo da tabela porque têm família, precisam trabalhar.”

 

Responsável pela ação direta de inconstitucionalidade que discute, no Supremo Tribunal Federal (STF) a MP 832, o advogado Moacyr Francisco Ramos, que representa a Associação do Transporte Rodoviário do Brasil (ATR), diz que o serviço de transporte tem sido feito “com limitação”.

 

Impacto. O tabelamento do frete está atrasando a entrega de fertilizantes para produtores rurais e o setor já prevê menor rentabilidade com a alta nos preços do produto. Como menos caminhões estão indo até os portos, o insumo importado que seria a carga na viagem de volta está parado nos navios. Segundo levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), dos 60 navios parados nos portos brasileiros, 35 estão com fertilizantes.

 

O diretor executivo da Associação dos Misturadores de Adubo do Brasil (AMA Brasil), Carlos Eduardo Florence, calcula que 60% da entregas previstas para este período do ano estão represadas – a maior parte do fertilizante consumido no País é importada. “Não há mais capacidade de armazenagem de fertilizantes nos portos. O volume que sai é insignificante. Com isso, vários navios estão parados e carregados de adubos”, afirmou. “E ainda tem muito navio com fertilizante vindo para o Brasil.”

 

De acordo com a agência marítima Williams Brazil, de 1.º de junho até o dia 18, a quantidade de adubo prevista para ser descarregada nos portos brasileiros chegava a 5,143 milhões de toneladas – 36% para Paranaguá (PR), 22%, para Santos (SP) e 12,3% para Rio Grande (RS).

 

Segundo Florence, além de não estarem faturando com o insumo que deveria ser entregue, as empresas de defensivos estão arcando com prejuízos decorrentes da multa diária paga quando o embarque demora mais que o combinado.

 

Custo. No norte do Paraná, a demora na entrega de fertilizantes preocupa os produtores, já que o plantio da soja da safra 2018/2019 começa em outubro. Além desse atraso, a perspectiva é de que, mantido o atual patamar de valores do transporte, o preço dos insumos suba mais.

 

O gerente de logística da cooperativa Integrada, Celso Otani, diz que o frete para fertilizantes, que era de R$ 75 a tonelada antes do tabelamento, está entre R$ 100 e R$ 105 a tonelada. Ele explica que, em geral, o custo para transporte do insumo leva em consideração o fato de que ele é levado por caminhões que descarregaram grãos no porto e, para não voltar vazios, são carregados com adubo. A nova tabela de frete retirou essa vantagem, diz Otani.

 

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, confirmou essa situação. “Os fertilizantes eram frete de retorno, mas agora viraram frete principal e tabelado”, afirmou o ministro.

 

A cooperativa do norte do Paraná recebeu até agora 40% do volume que precisará de fertilizante para atender os cooperados de setembro e outubro, quando o ideal seria já contar com 50% do total. Segundo Otani, novos pedidos de adubo, que custam, em média, R$ 1.400 por tonelada, já estão sendo feitos com preços reajustados. Os custos da cooperativa com o transporte de grãos até o porto já aumentaram 20%.

 

Safra. O produtor rural Emilio Kenji Okamura, de Capão Bonito, no interior de São Paulo, teve de pagar R$ 4,8 mil a mais por uma carga de 100 toneladas de adubo que despachou do Porto de Santos para sua fazenda em Cristalina, no leste de Goiás. O aumento é decorrente da tabela do frete para o transporte rodoviário de cargas, estabelecido por medida provisória pelo presidente Michel Temer após a greve dos caminhoneiros que paralisou o País durante 11 dias.

 

Desde que a tabela entrou em vigor, no fim de maio, acabou a margem de negociação entre o produtor e o dono do caminhão para o transporte de grãos e insumos agrícolas. O produtor conta que o adubo sempre foi considerado carga de retorno, por isso o custo da tonelada para o transporte ficava muito abaixo do valor pago pelo frete do grão.

 

“A carreta seguia para o porto com a soja, recebendo o preço cheio, e voltava com o adubo, pelo qual pagávamos preço reduzido, por se tratar de carga de retorno. Agora, isso acabou, ida e volta têm preço cheio”, disse.

 

O produtor não concorda em pagar a conta do acordo do governo com os caminhoneiros, mas não vê saída. “Acho errada essa intervenção do governo. Se deixar o produtor fazer negócio como transportador, fica bom para ele e para nós. Agora, o governo sobe o combustível, sobe o pedágio e não deixa o produtor negociar o frete. Aí não fica bom para ninguém.” Okamura aceitou pagar o frete mais alto porque depende do adubo para o cultivo de batatas na fazenda do município goiano.

 

Sem acordo. O agricultor Frederico d’Avila, está com 1.600 toneladas de soja e milho encalhadas na fazenda Jequitibá do Alto, em Buri, sudoeste paulista, porque o comprador dos grãos não chegou a um acordo com o transportador. Ele vendeu a produção para ser retirada na fazenda, o que não está acontecendo. “Essa produção já devia ter saído, mas eles estão carregando a passo de tartaruga por conta do aumento no frete. Inicio a colheita do trigo daqui a dois meses e tenho receio de chegar até lá com os silos ocupados com soja e milho”, disse.

 

D’Ávila já projetou um custo mais alto para a próxima safra de grãos. “O frete da soja até o porto subiu de R$ 6 a saca para R$ 7,20, um aumento de 20%. O frete do adubo, no retorno, passou de R$ 60 para R$ 82 a tonelada, subindo 36%. Isso acaba sendo repassado ao consumidor final. O governo lavou as mãos e jogou a batata quente no colo do produtor”, disse. No sudoeste paulista, há relatos de produtores que tentaram “furar” a tabela, mas não tiveram sucesso.

 

A Cooperativa Agrícola de Capão Bonito já avisou os associados que o transporte está mais caro. “Por ora, a variação no frete da soja e do milho é pequena, porque já trabalhávamos com preço muito próximo do que foi tabelado, mas o frete do gesso agrícola, que o agricultor usa muito, passou de R$ 45 para R$ 77 a tonelada. Também já repassamos um aumento de R$ 22 no frete da tonelada de adubo. Esse custo está sendo absorvido pelo produtor. Eles concordaram em pagar, porque entendem que a culpa do aumento não é nossa, é do governo”, disse o gerente Luiz Carlos Mariotto. / COLABOROU NATÁLIA GÓMEZ

 

Lu Aiko Otta, Clarice Couto e José Maria Tomazela

 

Fonte: Estadão – 22/06/2018.

 

 


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