A devastação da greve dos caminhoneiros, por José Pastore

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Toda greve de transporte tem efeitos perversos porque detona uma cadeia de perdas. Mais grave é quando essa greve atinge as atividades essenciais como a paralisação dos caminhoneiros. Os prejuízos foram monumentais. Em artigo recente, Cláudio Considera do Ibre/FGV estimou uma redução de R$ 100 bilhões no PIB de 2018 somente na primeira semana de greve, alertando que outras perdas devem ocorrer, como é o caso da elevação de preços, crise de confiança, redução do investimento e destruição de empregos (“Início da retomada pode se reverter”, Estadão, 29/5/2018).

 

A esta altura, pouco adianta saber se a greve foi justa ou injusta. Importante é deixar claro que foi ilegal. Em todos os países, greves que afetam a produção e o transporte de combustíveis, alimentos e medicamentos são cercadas de regras rígidas para a sua deflagração. O aviso-prévio é uma delas. Outra é a manutenção dos serviços mínimos. Assim é também no Brasil. A Lei 7.783/1989 exige que os grevistas garantam a sobrevivência, a saúde e a segurança das pessoas. Nada disso foi respeitado no caso em tela.

 

A paralisação que desrespeitar essas regras é ilegal e, como tal, implicar sanções civis e penais. Por isso, estranhei a demora de o governo federal e do Ministério Público federal e do Trabalho em acionar a Justiça do Trabalho para analisar e julgar uma greve de tamanha gravidade. Alguns invocaram o argumento de que os caminhoneiros não são empregados (são autônomos) e, por isso, não podem ser tratados como empregados nas regras da CLT. Outros invocaram a natureza horizontal do movimento grevista baseado mais no WhatsApp do que nos sindicatos.

 

Nada disso justifica a paralisação de uma atividade essencial como essa. Aliás, sindicatos é que não faltam para essa categoria. Basta ver o site https://www.chicodaboleia.com.br/sindicato-para-autonomospara ali encontrar sindicatos de caminhoneiros autônomos em todos os estados do Brasil. Além disso, há inúmeras associações que congregam esses profissionais que deveriam ter sido notificadas para responsabilizar a prática ilegal de greve em atividade essencial sem obediência às leis vigentes e, com isso, conter o movimento no seu nascedouro.

 

Louvável foi a iniciativa da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina que, em menos de 24 horas de greve, entrou com pedido na Justiça requerendo, dentre outras coisas, a citação dos responsáveis, incluindo as pessoas incertas e não conhecidas que estavam ocupando, obstruindo e dificultando a passagem de caminhões nas rodovias federais e estaduais, requerendo ainda a condenação dos réus a multas e custas processuais. Ação semelhante era esperada no âmbito do governo. O apelo ao STF foi tardio e, mesmo assim, sem muita convicção, pois o próprio governo vem acenando com o perdão das multas e outras penalidades. E, para completar o quadro, ficou clara a prática do locaute das empresas transportadoras, o que é proibido pelas leis vigentes.

 

Em decorrência da demora no acionamento da Justiça, o movimento paredista cresceu numa sucessão de atos de truculência e chantagem e usou a sociedade brasileira como refém. O Brasil virou um país sem lei e sem autoridade. A complacência com esse tipo de ilícito será a senha para a prática de novos atos ilegais. Em uma sociedade livre não é possível obrigar as pessoas a trabalharem contra a sua vontade, é verdade. Mas, é inadmissível que venham colocar em risco a vida, a saúde e a segurança das pessoas impunemente, causando prejuízos irreparáveis.

 

Conclusão: a economia brasileira foi ferida de morte no momento em que se iniciava timidamente um processo de recuperação. A greve fez crescer o risco do PIB ficar abaixo de 2% em 2018; criou um clima de insegurança de longa duração; e afastou ainda mais os investimentos para reativar o emprego. Tudo isso regado por uma verdadeira premiação aos que desrespeitaram, simultaneamente, a Constituição, a CLT e os Códigos Civil e Penais. Não é assim que vamos estimular os que ainda acreditam no Brasil.

 

*José Pastore  - Professor da Universidade de São Paulo, Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP e membro da Academia Paulista de Letras

 

Fonte: Correio Braziliense – 01/06/2018.

 

 


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