Depois da reforma, total de ações trabalhistas cai 45% no RS

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Especialistas atribuem a queda a uma combinação de fatores, como as incertezas na interpretação das mudanças na CLT

 

O número de novos processos judiciais que envolvem empregados e empregadores despencou no Rio Grande do Sul após a reforma trabalhista, em vigor desde 11 de novembro de 2017. De dezembro a março, os quatro primeiros meses completos depois das mudanças na legislação, o Estado registrou o ingresso de 31.982 ações, aponta o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), com sede em Porto Alegre. O resultado corresponde a queda de 44,6% frente a igual período que contempla o fim de 2016 e o começo do ano passado, quando houve a abertura de 57.720 processos.

 

Especialistas atribuem a redução a uma combinação de fatores. Um deles é a persistência de incertezas relacionadas à interpretação das mudanças trazidas pela reforma, que alterou mais de cem pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A existência de dúvidas resulta em críticas de magistrados sobre a forma como o projeto foi costurado pelo governo federal e discutido no Congresso.

 

– Quando uma lei é tão confusa, os advogados se sentem inseguros. Ficam à espera de alguma sinalização. Não querem jogar na roleta e acabam represando os processos – declara o presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da IV Região (Amatra IV), juiz Rodrigo Trindade.

 

Além disso, a reforma instituiu que, em caso de derrota nos tribunais, trabalhadores que ganham acima de 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social – ou seja, mais de R$ 2.212,54 – têm de arcar com custos de defesa de empresas. A possibilidade de cobrança dos honorários de sucumbência fez com que advogados repensassem a ida à Justiça em alguns casos. Entre os pedidos que vêm sendo congelados nos últimos meses, mencionam especialistas, estão os de danos morais, que exigem a presença de testemunhas, e de adicional de insalubridade e periculosidade, que necessitam de perícia técnica.

 

– Em todo o Rio Grande do Sul, processos estão sendo segurados, até para ter maior certeza em relação a nova lei – frisa Carolina Spina, advogada do escritório Lini & Pandolfi, completando:

 

– Ao julgar pedido de dano moral, os tribunais têm apresentado interpretação mais conservadora. Com o risco de cobrança de honorários, muitos processos assim não foram realizados. Já no pedido de insalubridade, se o trabalhador perder a ação, também terá de arcar com os honorários dos peritos.

 

Rapidez para aproveitar a legislação anterior

Outro aspecto responsável pelo tombo no número de processos trabalhistas é a aceleração de ingressos antes da reforma. 

 

Com receio das mudanças na legislação, advogados correram contra o relógio para antecipar as ações no ano passado. Só em 10 de novembro de 2017, último dia antes de as alterações entrarem em vigor, o TRT-RS havia recebido 8.562 novas ações.

 

– O grande aumento nos processos antes da reforma ocorreu porque as partes interessadas quiseram aproveitar a lei antiga – afirma o advogado Guilherme Wünsch, professor da Unisinos.

 

Tempo de julgamento, por enquanto, não cai

O cenário que se desenha para a análise de processos trabalhistas nos próximos meses segue cercado de pontos de interrogação. Por conta das dúvidas relacionadas à aplicação da nova lei, o desembargador Luiz Alberto de Vargas, presidente da Comissão de Comunicação Social do TRT-RS, projeta que o tempo de julgamento das ações não deve cair, pelo menos no curto prazo, mesmo com a redução no número de pedidos.

 

– Normas mais confusas dificultam a análise. Mas isso tudo faz parte da rotina da Justiça do Trabalho, que tem de descascar um abacaxi por dia – sublinha o desembargador, que faz críticas à reforma de Michel Temer.

 

As incertezas envolvendo as mudanças ganharam novo capítulo neste mês. Assinada pelo presidente Michel Temer ainda em novembro do ano passado, a medida provisória (MP) 808, que alterou pontos do projeto inicial, está emperrada na Câmara dos Deputados.

 

Sem sinais de avanço na análise do texto, a MP terá sua vigência encerrada no dia 23. Com isso, trechos modificados da reforma, como os que tratam de condições de trabalho de grávidas e lactantes e jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso seguidas, perderão a validade.

 

Para os próximos meses, antes de formalizar novos processos, advogados aguardam posicionamentos do Tribunal Superior do Trabalho (TST) a respeito da interpretação de normas que ainda causam dúvidas.

 

– A legislação passa por reiterados processos de aperfeiçoamento. A reforma é mais um deles, é necessária. Mas alguns pontos mereciam ser melhor discutidos, porque geraram mais incertezas do que soluções – analisa o advogado Eduardo Zaffari, sócio do escritório Zaffari, que representa empresas em processos judiciais.

 

Sem definição

A reforma trabalhista foi aprovada em abril de 2017, na Câmara dos Deputados, e em julho, no Senado. Entrou em vigor em 11 novembro. 

 

Três dias depois, o presidente Michel Temer editou a medida provisória (MP) 808, que altera trechos do projeto.

Essa MP havia sido acordada com senadores, que cobraram mudanças no texto sancionado pelos deputados, para garantir a aprovação da matéria vinda da Câmara e evitar o adiamento da sanção presidencial.

 

Como a MP travou no Congresso, as alterações no projeto inicial devem perder a validade. O prazo de vigência da medida termina em 23 de abril.

 

Entre os pontos da reforma modificados pela MP, está o que trata das condições de atuação de grávidas e lactantes. O projeto aprovado no Congresso prevê que essas trabalhadoras só devem ser afastadas, obrigatoriamente, de atividades insalubres de grau máximo. 

 

Já a MP estabeleceu que elas só podem atuar em serviços insalubres de grau médio ou mínimo, de acordo com vontade própria. Para isso, é necessária apresentação de laudo médico com autorização.

 

Outro ponto alterado pela MP atinge os contratos que preveem 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso seguidas. Com a reforma, esse modelo poderia ser acertado diretamente entre o trabalhador e o empresário. Com a MP, a negociação precisa passar por acordo coletivo.

 

Fonte: Zero Hora – 16/04/2018.

 

 


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