BC impõe teto em tarifa de banco emissor no débito

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Para reduzir o custo do cartão de débito para os lojistas e aumentar o seu uso pelos consumidores, o Banco Central (BC) impôs um teto para uma tarifa interna do sistema que deve cortar em 40% as receitas embolsadas pelos bancos e cooperativas que emitem o meio de pagamento. A aposta da autoridade monetária é que a redução de um importante custo do sistema seja repassada para os comerciantes, e até mesmo aos compradores de produtos, pela prática de cobrança de preços diferenciados com diferentes meios de pagamento.

 

Tecnicamente, o Banco Central impôs um teto para a tarifa de intercâmbio, que é a fatia da taxa de desconto cobrada do lojista que cabe aos bancos e cooperativas emissoras de cartões em cada transação processada pelas credenciadoras (como Cielo, Rede e Stone). A partir de 1º de outubro, os bancos emissores de cartões poderão levar, no máximo, o equivalente a 0,8% de cada transação e, na média, 0,5%. Isso representa uma redução em relação à média de 0,82% hoje cobrada nessas tarifas. Atualmente não há teto para essa taxa.

 

A tarifa de intercâmbio é considerada o grande vilão dos altos preços cobrados pelas credenciadoras de seus clientes, como comerciantes e prestadores de serviços, que chegam a 1,45%. Se o corte na tarifa de intercâmbio for de fato repassado aos lojistas, essa taxa média cairá para cerca de 1,15%.

 

O Banco Central já havia adotado medidas, nos últimos anos, para ampliar a concorrência entre as credenciadoras, abrindo o mercado e facilitando o ingresso de novos concorrentes hoje, há mais de dez operadoras em atividade. Como o mercado está mais competitivo, a redução de custos tenderia a chegar ao lojista.

 

A queda nos custos do cartão de débito deverá tornar esse instrumento de pagamento ainda mais competitivo em relação ao cartão de crédito, incentivando o seu uso de forma mais intensa. No cartão de crédito, as credenciadoras cobram dos comerciantes em média 2,6% do valor de cada transação. A expectativa do BC é que, de forma crescente, os comerciantes ofereçam preços menores para os clientes que usarem o cartão de débito como meio de pagamento.

 

"Queremos incentivar a utilização do cartão de débito, para que ele seja instrumento de pagamento e o cartão de crédito seja um instrumento de crédito", disse o diretor de política monetária do BC, Reinaldo Le Grazie.

 

A indústria de cartões tem um sistema intricado de preços, com várias empresas diferentes embolsando parte das tarifas e subsídios cruzados. O preço final cobrado pelas credenciadoras do lojista é formado por três componentes: a tarifa de intercâmbio, definida pela bandeira (como Visa, Mastercard e Elo) para remunerar os bancos emissores; a tarifa que a bandeira cobra do credenciadora na forma de royalties; e os custos e margem de lucro do próprio credenciador (conhecidos como net MDR, do inglês "merchand discount rate", ou, em tradução livre, taxa líquida de custos cobrada do comerciante). A tarifa final cobrada pela credenciadora do comerciante e prestador de serviços é a taxa de desconto.

 

Desta vez, o BC está atuando em um item dessa estrutura de custos, no qual avalia que a competição é mais limitada. Essa taxa de intercâmbio, que normalmente é definida pelas bandeiras para remunerar os emissores, se mostrava insensível ao aumento de competição no mercado.

 

Enquanto as taxas de desconto caíram nos últimos anos, em virtude da maior competição entre as credenciadoras, esse componente vinha aumentando. De acordo com o BC, nos últimos oito anos a tarifa de intercâmbio dos cartões de débito aumentou de 0,79% do valor da transação para 0,82%, enquanto a taxa de desconto caiu de 1,60% da transação para 1,45%.

 

De acordo com Le Grazie, a expectativa é que a limitação da tarifa de intercâmbio seja integralmente repassada ao consumidor final. "Estamos limitando uma parte desse conjunto. Como consideramos que o mercado de credenciamento está competitivo, esperamos que essa redução de um dos componentes seja repassada para o estabelecimento comercial", disse.

 

De acordo com o diretor, os emissores, que geralmente são os grandes bancos, terão uma redução na sua remuneração, de cerca de 40%. O BC não informou o quanto, em reais, a receita dos bancos vai cair. A expectativa é que a perda de receita seja pelo menos parcialmente compensada com o aumento do volume de operações com o cartão de débito.

 

Ainda de acordo com Le Grazie, como essa limitação já foi feita em mercados de outros países, o BC considera que o risco da intervenção é baixo.

 

Num mercado verticalizado como o brasileiro, com grandes bancos sendo emissores, donos de bandeiras e das credenciadoras, havia pouco estímulo para redução desse componente do custo. De acordo com Le Grazie, a taxa de intercâmbio é naturalmente mais rígida, então o BC está fazendo "uma aceleração de algo que aconteceria ao longo do tempo".

 

O BC vai continuar a observar o mercado, acompanhando as medidas anunciadas para estimular o uso do cartão de débito e não descarta a possibilidade de tomar medidas adicionais. "Vamos verificar se existe espaço para reduções adicionais para a tarifa de intercâmbio e também verificar a conveniência de estabelecimento de limite na tarifa de intercâmbio no cartão de crédito", disse Le Grazie.

 

Questionado sobre possíveis medidas no cartão de crédito, o diretor explicou que esse mercado é mais complexo e que o BC precisa de mais informação para tomar decisão sobre esse segmento. Sobre os prazos de liquidações de operações no mercado de crédito, que estão em média em torno de 28 dias, Le Grazie disse que esse é um assunto ainda mais complexo, pois todo modelo é baseado em prazo de liquidação longo.

 

"Toda a cadeia está baseada nesse modelo. Inclusive os novos entrantes. Mexer no prazo de liquidação é mexer com o funcionamento do mercado. Gostaríamos que os participantes trouxessem alternativas com prazos mais curtos. Seria uma transição mais suave que regular o prazo final", disse.

 

Sobre a modalidade de parcelado sem juros no cartão de crédito, o diretor lembrou que essa é uma operação tipicamente brasileira, que tem 25 anos, reflexo ainda do período de inflação elevada e do cheque prédatado.

 

"É muito utilizado para o pagamento de varejo. Muito importante. Vai continuar porque faz parte da tradição brasileira", disse.

 

Ele lembrou que o financiamento é feito com recursos que vem do comerciante. Os comerciantes, depois de financiar o comprador, têm de fazer dívida no sistema financeiro. Em comparação com outros países observasse que o nível de dívida do lojista brasileiro é maior que no exterior. "Os cartões estão trazendo alternativas de financiar o consumidor, em vez do lojista. O BC acompanha essa discussão", disse Le Grazie.

 

Segundo o diretor, o mercado brasileiro é robusto e funciona muito bem, mas o BC quer incentivar os pagamentos eletrônicos.

 

Fonte: Valor Econômico – 27/03/2018.


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