Setor de cartões propõe acabar com o parcelado sem juros

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O setor de cartões apresentou ao Banco Central (BC) no início deste mês uma proposta para substituir a modalidade conhecida como "parcelado sem juros" dos cartões de crédito por um modelo de crediário a ser oferecido ao consumidor. A mudança viria acompanhada de uma redução no prazo de pagamento aos lojistas, apurou o Valor com duas fontes a par do assunto.

 

A ideia faz parte de um conjunto de medidas que as empresas de cartões vêm debatendo desde o fim de 2016, a pedido do órgão regulador, para reduzir custos, ampliar o uso desse meio de pagamento e aproximar o modelo brasileiro das práticas internacionais.

 

Pela proposta, os consumidores fariam uma espécie de crediário para parcelar compras no cartão, com base em um limite concedido pelo emissor, que poderia ser usado em qualquer loja. Não seria um crediário de um determinado estabelecimento, como já foi comum no passado com a emissão de boletos. O banco pagaria o lojista em até cinco dias após a operação (D+5) e assumiria o risco. Prestações e despesas com juros ficariam visíveis para o cliente na maquininha do cartão no ato da compra.

 

No modelo atual, a decisão de oferecer o parcelamento, e com que prazo, é do lojista. O varejista recebe a primeira parcela após 30 dias e o consumidor vai pagando as demais na fatura do cartão.

 

Embora o lojista demore um mês para receber a primeira parcela, o varejo é hoje muito dependente desse modelo, que não existe em outros países. Segundo dados da Abecs, associação das empresas do setor de cartões, o parcelado representa 55% das transações com cartão de crédito no país.

 

Para o consumidor, o parcelado "sem juros" representa uma facilidade e tem forte apelo psicológico ­ embora, na prática, haja uma série de taxas embutidas nas mensalidades. Portanto, mesmo que a ideia de um crediário pessoal vá adiante, a proposta deve enfrentar a resistência de clientes e lojistas.

 

Para minimizar o impacto, a sugestão dos bancos emissores é desenhar um produto que ofereça taxas e prazos muito competitivos aos clientes. Mesmo assim, viabilizar a mudança de modelo é tarefa "muito complexa" e que exigirá uma transição lenta, diz um executivo de uma instituição financeira.

 

A indústria brasileira de cartões está apoiada em subsídios cruzados. Ao fazer uma venda com cartão, o lojista paga uma série de taxas. A principal delas é a taxa de desconto (MDR, na sigla em inglês), cobrada pela credenciadora. Parte desse valor fica com a dona da maquininha e o restante vai para o banco emissor daquele cartão. Quem define quanto será destinado aos bancos são as bandeiras (Visa, Martercard e outras). Por isso, qualquer mudança de regras reverbera na cadeia como um todo.

 

No varejo, uma fonte que acompanha as negociações conta que há um empenho das grandes cadeias do setor em avançar com a nova modalidade. Na semana passada, presidentes de grupos de varejo alimentar e eletroeletrônico estiveram em uma reunião com o comando do Banco Central para reforçar o apoio e sugerir ajustes.

 

O Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), que tem entre os associados o Grupo Pão de Açúcar, Walmart, Via Varejo e Magazine Luiza, participou de reuniões com empresas de cartões e o BC. O setor critica o peso financeiro da venda parcelada em seus resultados, já que, ao demorar 30 dias para receber dos cartões o valor da venda, afirmam que são eles que acabam financiando o cliente.

 

Por causa disso, antes da crise no consumo, em 2014, as redes já vinham, em seus sites, tentando reduzir o número de parcelas na venda parcelada, mas com a recessão voltaram a estender os prazos.

 

Há uma preocupação das cadeias com a forma como a migração de modalidade pode ser comunicada ao consumidor. O receio é que o cliente entenda que possa estar se endividando com bancos, e isso acabe confundindo o cliente e atrapalhando as vendas, diz uma fonte. Procurado, o IDV não comentou o assunto. No GPA, o cartão de crédito representava 39% das vendas líquidas no terceiro trimestre de 2017. No Magazine Luiza, cartão de terceiros equivalia a 42% das vendas totais no período.

 

Procurada, a Abecs confirmou que "há discussões e estudos sobre o crediário, novo mecanismo de financiamento ao consumo e, ao mesmo tempo, de fortalecimento do capital de giro dos lojistas". Segundo a Abecs, ainda não há detalhes sobre o produto porque os estudos se encontram em fase inicial. O BC disse, por meio de sua assessoria, que não comentaria o assunto. A Febraban não se pronunciou até o fechamentos desta edição.

 

No início de 2017, o BC e representantes do setor chegaram a discutir medidas para acabar com o parcelado sem juros e reduzir o prazo de liquidação das transações. A própria ideia de se criar um crediário chegou a ser aventada. Porém, o assunto entrou em compasso de espera pela sua complexidade. Diante disso, o BC passou a pedir que as empresas do setor apresentassem ideias para baratear e simplificar o uso de cartões.

 

Por enquanto, o Banco Central mexeu no chamado rotativo dos cartões de crédito. Numa medida que entrou em vigor em abril de 2017, o saldo remanescente no rotativo após 30 dias de uso dessa modalidade é automaticamente parcelado com taxas menores. O órgão regulador continua debatendo com o setor propostas para reduzir as taxas incidentes sobre as operações de débito e para o parcelado sem juros. A tendência é que se chegue primeiro a uma solução para a questão do débito, que é mais fácil de resolver, afirma uma fonte da indústria. (Colaborou Adriana Mattos)

 

Por Talita Moreira | De São Paulo

 

Fonte: Valor Econômico (29.01.2018)


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