Corte contraria a própria jurisprudência e entende que citação foi válida porque o contrato entre empresa brasileira e companhia norte-americana previa esse tipo de comunicação em processos
São Paulo - O Superior Tribunal de Justiça (STJ) contrariou a própria jurisprudência e homologou uma sentença estrangeira apesar da empresa brasileira envolvida ter sido notificada por correio e não via carta rogatória, vista como opção mais burocrática.
Na opinião do sócio do Dannemann Siemsen Advogados, Marcelo Mazzola, a decisão é importante para as companhias brasileiras que possuem litígios fora do País. "Gera um precedente interessante para contratos internacionais entre empresas estrangeiras e brasileiras, porque a intimação via correio é muito menos burocrática do que a carta rogatória", afirma Mazzola.
No caso, uma sociedade norte-americana processou uma empresa brasileira por descumprimento às suas obrigações de pagamento decorrentes de contrato de revenda. A companhia do Brasil, apesar de intimada por correio, não se manifestou, sendo condenada pela Corte de Nova York a pagar US$ 362.749,08 para a firma estrangeira.
Em sua defesa, a empresa alegou que "a citação foi enviada por carta comum, sem nenhuma especificação em português ou indicação de sua relevância, sendo recebida por pessoas sem autorização ou poderes para se darem por intimadas, resultando em uma situação totalmente absurda e inaceitável". Contudo, o contrato que existia entre as duas companhias previa expressamente a possibilidade de citação postal simples.
A questão foi parar no STJ, tribunal responsável pela homologação de sentenças estrangeiras no Brasil. Lá, a relatora do processo, ministra Maria Thereza de Assis Moura, entendeu que a previsão em contrato da citação por correio invalida o argumento de que a sentença não deveria ser homologada por contrariar jurisprudência do próprio STJ, de que a carta rogatória é o único instrumento para citação nesses casos.
"[...] a realização do ato citatório via postal está em conformidade com as leis vigentes no país em que [foi] prolatada a sentença e também de acordo com o pactuado no contrato. Assim, não se pode considerar inválida a citação a pretexto de que não [foi] observada a regra brasileira, sendo certo, ademais, que a citação por correio não é estranha à legislação do Brasil", apontou a ministra.
De acordo com o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio da área de contencioso e arbitragem do Barcellos Tucunduva, Giancarllo Melito, essa decisão, apesar de ser um precedente relevante, não necessariamente mostra uma mudança de posicionamento do STJ. "Essa decisão em Corte Especial obviamente tem muito mais peso do que um juízo monocrático. Porém, há muitos casos em que o tribunal dá uma decisão e depois segue por outros caminhos. O STJ não mudou um entendimento pacificado ainda", avalia o especialista.
Caso a caso
Marcelo Mazzola acredita que o juízo do STJ aponta que as próximas decisões em processos desse tipo vão analisar mais o caso a caso. "O entendimento consolidado permanece, mas o contrato reconheceu a citação por via postal porque foi o combinado entre as partes", destaca. "Ganha-se em qualidade das sentenças."
Ricardo Bomfim
Fonte: DCI (10.11.2017)