Reforma tributária: técnica e política

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Só será possível aprová-la se houver claro empenho do governo federal em fazê-lo e capital político para tanto

 

Na sexta-feira, o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), em parceria com a FGV Direito, realizou um seminário para discutir a proposta do CCiF de reforma dos tributos brasileiros sobre bens e serviços. O seminário contou com a participação de vários debatedores altamente qualificados, entre os quais o deputado Luiz Carlos Hauly, relator do projeto de reforma tributária em tramitação na Câmara dos Deputados.

 

Embora ainda haja alguns dissensos sobre questões relevantes, o seminário mostrou que há também um grande consenso sobre as diretrizes que devem orientar uma reforma tributária no Brasil.

 

Quase todos os debatedores concordaram que o ideal é uma reforma ampla do modelo de tributação de bens e serviços, visando a substituir os tributos atuais – ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI – por um imposto do tipo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), modelo adotado por quase todos os países relevantes do mundo.

 

O IVA é um imposto não cumulativo, que incide sobre uma base ampla de bens e serviços, desonera completamente as exportações e os investimentos e é cobrado no destino. Um imposto com essas características é, efetivamente, um imposto sobre o consumo, ainda que cobrado ao longo da cadeia de produção e comercialização.

 

Também há consenso sobre a necessidade de que o novo IVA tenha apenas uma legislação e um regulamento, ainda que sua receita seja partilhada entre a União, os Estados e os municípios.

 

Tanto no anteprojeto do deputado Hauly quanto na proposta do CCiF, o IVA seria complementado por um Imposto Seletivo federal, que seria cobrado de forma monofásica sobre alguns bens e serviços.

 

É verdade que ainda há divergências sobre pontos muito importantes, como o escopo do imposto seletivo, o prazo de transição para o novo modelo, o número de alíquotas do IVA e a autonomia dos Estados e municípios na gestão da alíquota do IVA. Adicionalmente, como deixou claro o secretário de Fazenda do Município de São Paulo, Caio Megale, há uma grande preocupação dos entes subnacionais com uma mudança que afete sua capacidade de financiamento.

 

O seminário deixou claro, no entanto, que há uma grande disposição de todos os atores relevantes – representantes dos Estados e dos municípios, entidades do setor privado, além, é claro, do deputado Hauly – em discutir as melhores soluções técnicas e políticas para o projeto.

 

Pessoalmente, acredito que só será possível aprovar uma boa reforma tributária se houver um claro empenho do governo federal em fazê-lo e capital político para tanto. O risco de discutir a reforma tributária no âmbito do Legislativo sem uma participação mais ativa do Executivo é que sejam feitas concessões a setores específicos para angariar apoio à proposta, eliminando as principais características de uma boa mudança no sistema tributário, que são a simplicidade e a neutralidade das normas.

 

A este respeito, o seminário trouxe informações relevantes. O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ernesto Lozardo, sinalizou que o instituto está trabalhando na avaliação e formulação de propostas de modo a subsidiar tecnicamente a atuação do governo federal na discussão. O dr. Gastão Alves de Toledo, assessor especial do presidente Michel Temer, indicou que o governo dará apoio a uma reforma tributária ampla se tiver percepção de que esta é viável política e juridicamente. Ficou faltando apenas o posicionamento do Ministério da Fazenda, que, infelizmente, não enviou representantes ao seminário.

 

Não sei se será possível aprovar uma boa reforma tributária neste governo. Mas sei que a discussão sobre o tema vem amadurecendo bastante, graças ao avanço no debate sobre questões técnicas e, sobretudo, graças ao entusiasmo de pessoas como o deputado Hauly e à disposição em discutir mudanças por parte do setor privado e dos governos federal, estaduais e municipais. Acredito que hoje estamos mais próximos de aprovar uma reforma tributária do que estivemos em todas as discussões anteriores ocorridas desde a Assembleia Constituinte de 1988.

 

*DIRETOR DO CCiF

 

Bernard Appy*, O Estado de S.Paulo

 

Fonte: Estadão (03.10.2017)


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