TJ-SP entende que investidores devem ter tratamento diferente em distratos

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Desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deram uma nova interpretação às discussões envolvendo os distratos – quando o cliente pede a rescisão do contrato de compra e venda de um imóvel na planta. Eles diferenciaram a situação dos que adquirem o bem para investimento daqueles que fecham negócio para uso próprio.

 

Para os magistrados, o tratamento não pode ser o mesmo. Especialmente nas ocasiões em que o vendedor não teve culpa pela desistência do negócio e o comprador discorda sobre os percentuais estabelecidos para a devolução dos valores que já haviam sido pagos.

 

O entendimento se deu em um caso julgado recentemente pela 4ª Câmara de Direito Privado (Apelação nº 1116739-74.2016.8.26.0100). A discussão envolve a Yuny Incorporadora e dois clientes que adquiriram dez unidades de um empreendimento imobiliário em Santos, no litoral de São Paulo.

 

A Yuny havia sido condenada em primeira instância a devolver 90% das parcelas pagas, corrigidas desde os desembolsos e acrescidas de juros de mora de 1% a partir do momento em que foi citada no processo. O juiz aplicou à discussão o Código de Defesa do Consumidor (CDC) – que permite anular cláusulas contratuais nos casos em que se verifica abusividade ou enriquecimento sem causa.

 

Já os desembargadores da 4ª Câmara entenderam, de forma unânime, pelo cumprimento do contrato: devolução de 70% e não de 90% das parcelas já pagas pelos compradores dos imóveis. Eles reduziram ainda o período para a incidência de correção dos valores – que passou a contar desde o ajuizamento da ação – e também para os juros de mora, estabelecidos a partir do trânsito em julgado (quando não cabem mais recursos ao processo).

 

Os magistrados destacaram, na decisão, que a desistência se deu porque o negócio deixou de ser vantajoso para os clientes e não porque havia impossibilidade de pagamento ou por a vendedora ter descumprido as suas obrigações.

 

Relator do caso, o desembargador Teixeira Leite chamou a atenção ainda para o atual contexto econômico do país. "O mercado imobiliário está congelado", afirma em seu voto. "Há uma avalanche de ações versando sobre distratos de compromissos de compra e venda e os pedidos devem ser analisados com cuidado para evitar a quebra das construtoras."

 

O volume de ações cresceu muito desde o começo da crise, há cerca de três anos. Os processos são movidos tanto por compradores que não conseguiram mais arcar com os pagamentos como por aqueles que viram os preços caírem e avaliaram que as aquisições feitas no passado, em valores mais altos, deixaram de valer a pena.

 

Em ambos os casos a discussão se concentra nos percentuais de retenção dos valores que estão previstos nos contratos. Como não há lei estabelecendo limite, o tema vem se consolidando com a jurisprudência. E, segundo advogados que atuam na área, o que se vê são decisões – principalmente na primeira instância – fixando um máximo de 10% (como ocorreu no caso da Yuny).

 

Especialistas na área, Luis Rodrigo Almeida e Ana Carolina Medina, do Viseu Advogados, chamam a atenção que se começa a perceber agora um alargamento dessa margem pelo tribunal. Há decisões – ainda que não sejam maioria – permitindo às vendedoras dos imóveis ficar com 25% ou 30% do dinheiro que havia sido pago pelo cliente. Todas elas referentes a casos em que não houve culpa (como atraso na obras) pelo desfazimento do negócio.

 

Há ineditismo, no entanto, em relação ao posicionamento da 4ª Câmara, de diferenciar o consumidor comum dos investidores e fazer com que se cumpra o contrato assinado quando as partes fecharam o negócio. Essa interpretação, para os advogados do Viseu, "é ainda mais realista e traz reequilíbrio à relação negocial".

 

Marcelo Yunes, vice-presidente da Yuny Incorporadora, diz que as desistências, por parte dos clientes, só geram prejuízos às empresas. Primeiro pelo impacto imediato no fluxo de caixa (tendo em vista que as obras não podem parar, já que há adquirentes de outras unidades do empreendimento) e depois porque, com a crise, os imóveis são revendidos a preços mais baixos e em um prazo não tão rápido.

 

"Então não é que o mercado imobiliário esteja, de alguma forma, tentando se beneficiar dos distratos", diz. "Essas negociações não podem ser tratadas como uma opção de compra gratuita, como vinha ocorrendo. Há um contrato assinado. E se não há nenhum tipo de inadimplência por parte da incorporadora, não há justificativa para as penalidades que vinham sofrendo", acrescenta Yunes.

 

Há expectativa do mercado com relação a uma possível regulamentação do tema por meio de Medida Provisória (MP). O texto, conforme divulgado pelo Valor, já teria a assinatura dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Justiça e estabeleceria até 50% de retenção dos valores pagos – limitados a 10% do valor total do contrato. No caso de unidades enquadradas no programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, o teto seria de 5% do valor do contrato e de imóveis comerciais de 12% do total.

 

Não há informações, no entanto, de que conste no texto regras diferenciadas aos clientes investidores e aos consumidores finais. Para a advogada Mariana Spoto Cobra, do escritório Mattos Filhos, essa é uma zona mais cinzenta. Especialmente pela dificuldade, mesmo no judiciário, de definir esses perfis.

 

"No caso da Yuny é uma situação em que claramente se tratava de clientes investidores. Eles adquiriram dez unidades. Mas pode acontecer de o investidor adquirir uma única unidade em um determinado empreendimento. Ficaria a dúvida, então, sobre quem é esse investidor", pondera a advogada.

 

Os advogados dos clientes da Yuny Incorporadora, que perderam a disputa no TJ-SP, não foram localizados pela reportagem.

 

Por Joice Bacelo | De São Paulo

 

 

Fonte: Valor Econômico (06.09.2017)


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