OAB do Rio questiona regras de acesso aos autos

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Quando a Resolução 121 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a publicidade dos processos eletrônicos, passou a vigorar, o desembargador Fernando Botelho, especialista em Direito Eletrônico, alertava para a confusão que viria no que diz respeito ao acesso dos autos na era virtual. Um trimestre depois, as previsões de Botelho se confirmam. A OAB do Rio de Janeiro entrou com um Procedimento de Controle Administrativo, no CNJ, com pedido de liminar, contra normas do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) e do Tribunal de Justiça fluminense sobre o assunto.

 

A seccional diz que, ao regulamentar o tema, os dois tribunais infringiram a própria resolução do Conselho, além do Estatuto da Advocacia. “A Resolução 121 do CNJ não prevê que o advogado sem procuração necessite requerer, ainda mais ao juiz, vista do processo eletrônico”, diz a OAB do Rio, no documento assinado pelo presidente da seccional Wadih Damous e pelos advogados Ronaldo Cramer, Fernanda Tórtima e Guilherme Peres.

 

A Resolução 121, de outubro de 2010, trouxe uma série de recomendações aos tribunais sobre a publicidade do processo eletrônico. Entre outras coisas, definiu alguns critérios de busca e do grau de acesso às informações processuais quando os autos forem eletrônicos.

 

O ponto de discussão da resolução, no procedimento apresentado pela Ordem, diz respeito ao seguinte dispositivo: “os sistemas devem possibilitar que advogados, procuradores e membros do Ministério Público cadastrados, mas não vinculados a processo previamente identificado, acessem automaticamente todos os atos e documentos processuais armazenados em meio eletrônico, desde que demonstrado interesse, para fins, apenas, de registro, salvo nos casos de processos em sigilo ou segredo de justiça”.

 

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região editou o Provimento 89, de 17 de dezembro de 2010, que disciplina a consulta aos processos que tramitam na primeira instância.

 

Ao fazer a leitura do dispositivo da resolução com o artigo 7º, incisos XIII e XV, da Lei 8.906/94, a OAB do Rio chegou à conclusão de que os tribunais não podem limitar o acesso do advogado a processo judicial ou administrativo, desde que não esteja protegido por sigilo.

 

Diz o artigo 7º, do Estatuto da Ordem, que é direito do advogado “examinar em qualquer órgão dos Poderes Judiciários e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos”.

 

“A Resolução 121 do CNJ quer apenas que o advogado sem procuração declare no sistema o interesse na vista, para poder ter acesso ao processo eletrônico. Apenas isso”, afirma a OAB do Rio. Entretanto, diz, os tribunais não estão cumprindo tal determinação, já que há o pedido para ver os processos eletrônicos tem de ser apreciado pelo juiz do caso.

 

“O referido provimento foi editado com base e em estrita observância ao disposto na Lei 11.419/2006, que – normatiza a informatização do processo judicial –, na Lei 8.159/91 – que sobre a gestão e guarda de documentos públicos e particulares –, no Decreto 4.553/2002 –que regulamenta a Lei 8.159/91, estabelecendo os documentos que são considerados originalmente sigilosos –, na Resolução do Conselho Nacional de Justiça 121/10, na Resolução do Conselho da Justiça Federal 23/2008 – que dispõe sobre a gestão e guarda de documentos e processos no âmbito da Justiça Federal”, explicou, por e-mail à revista ConJur, a juíza federal Fátima Novelino, convocada para a Corregedoria da Justiça Federal da 2ª Região.

 

O Provimento 89/2010 repete a Resolução 121 do CNJ quanto ao acesso aos autos. E continua: “a manifestação do interesse em consultar os autos de determinado processo será apresentada ao juízo competente, mediante petição, e a liberação do acesso, será realizada pela secretaria do respectivo juízo, por meio de vinculação especial ao processo”.

O texto também prevê que o registro de todos os acessos feitos pelo interessado deverão ser mantidos pelo prazo de um ano. Também dispõe o parágrafo 5º, do artigo 7º, do Provimento: “ficará disponível, às partes e respectivos advogados, a relação das vinculações especiais concedidas com base neste artigo, com a indicação do nome dos beneficiários, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou na Ordem dos Advogados do Brasil, e período de vigência da autorização concedida pelo Juízo”

 

Para a juíza, não há contradição entre a Resolução do CNJ e o provimento editado pela Corregedoria do TRF-2. “O CNJ exige a demonstração de interesse para fins de registro, para que seja disponibilizado o acesso automático a todos os atos e documentos processuais. Se há exigência de demonstração do interesse, certamente essa demonstração deverá ser submetida ao crivo de alguém, que a examinará e, se demonstrado o interesse, será liberado, a partir de então, o pretendido acesso automático ao inteiro teor dos autos. Não se pode conceber fosse exigida demonstração dirigida apenas à máquina (sistema), de forma que a demonstração só poderia ser dirigida ao juízo”, explica.

 

Segundo Fátima Novelino, o provimento apenas especificou o que era decorrência lógica da norma contida na Resolução 121, do CNJ. “O Provimento da Corregedoria da 2ª Região não determinou que o juiz examinasse, pessoalmente, cada petição, já que existem situações comuns e por demais conhecidas, que justificam esse interesse em consultar os autos, de forma que poderão os servidores da secretaria promover esse crivo, sob a orientação do(a) juiz(a) da Vara, a quem compete aferir o interesse das partes sobre todas as questões processuais, inclusive segredo de Justiça, sigilo de peças e consulta aos autos.” Segundo a juíza, a matéria é jurisdicional.

 

Atualmente, tramitam na Justiça Federal do Rio de Janeiro 631.970 processos físicos e 324.966 eletrônicos. No Espírito Santo, são 126.676 processos físicos e 35.039 eletrônicos. Já no TRF-2 há 98.960 físicos e cinco eletrônicos.

 

Preservação dos documentos


Segundo Fátima Novelino, a adoção de todas as medidas previstas no Provimento 89/2010 se deve à preservação de documentos e dados sigilosos das partes e de sua própria segurança, contra utilização indevida dos dados e documentos.

 

“Não se pode confundir processo que corre em segredo de Justiça com processo que contém documentos, dados ou informações protegidos por sigilo, por disposição constitucional ou legal, sendo importante diferenciá-los. O segredo de Justiça tem maior abrangência que o simples sigilo de peças, e pode impedir o acesso a todos os documentos, atos processuais, inclusive às decisões judiciais e aos nomes das partes”, diz.

 

“Já o processo que contém documentos e dados protegidos por sigilo legal, pode ter disponibilizados os nomes das partes, os atos processuais e decisões judiciais, não sendo, no entanto, passível de disponibilização ao acesso de terceiros documentos e informações pessoais das partes nele contidos, pois protegidos pelo sigilo, tais como, documentos e dados bancários, fiscais, financeiros, alguns dados funcionais e societários, além de informações sensíveis relativas às pessoas”, completa.

Segundo a juíza, o estatuto da OAB, “ao assegurar aos advogados o direito de examinar autos de processos, mesmo sem procuração, exclui os processos sujeitos a sigilo, como não poderia deixar de fazer, e de forma genérica, a nosso ver, abrangendo assim os casos de processos que correm em segredo de Justiça e também aqueles que apenas contenham documentos, dados e/ou informações sujeitos a sigilo”.

 

Ainda segundo a juíza Fátima Novelino, a maioria dos processos que tramitam na Justiça Federal contém documentos ou informações protegidos pelo sigilo. Ela citou como exemplo pedidos de expurgos do FGTS ou em cadernetas de poupança, além de processos em que se discute tributos e benefícios previdenciários. “Ao Judiciário não incumbe apenas decidir e condenar aqueles que desrespeitem o sigilo de dados e informações, mas também respeitá-lo”, diz.

 

Para a juíza, as medidas não prejudicam a transparência da Justiça Federal nem a publicidade dos atos processuais. A Constituição, diz, estabelece a publicidade dos atos processuais e não do inteiro teor do processo.

 

Procedimentos burocráticos

 

A OAB-RJ diz, ainda, que tais restrições geram graves transtornos aos advogados. “Na Justiça Federal do Rio de Janeiro, por exemplo, não basta sequer que o advogado tenha procuração nos autos. É necessário que um servidor vincule seus dados ao processo no sistema, para que, somente depois disso, possa ter acesso às petições”, diz, referindo-se ao procedimento adotado para que o advogado tenha acesso ao processo eletrônico.

“No TJ-RJ, em outro exemplo, os réus nos Juizados Especiais Cíveis muitas vezes são intimados poucos dias antes da audiência e, para terem acesso aos autos eletrônicos, precisam se dirigir ao cartório munidos de procuração e requerer a mesma vinculação do advogado ao processo no sistema informatizado. O risco da revelia, nesses casos, é razoavelmente alto”, diz a OAB-RJ.

 

“Para além da prerrogativa prevista em lei, os advogados precisam ter acesso automático a qualquer processo, porque não raro são contatados para assumir uma causa em andamento e necessitam dar uma resposta urgente ao cliente, às vezes no mesmo dia”, diz a seccional.

 

Já a juíza Fátima Novelino, da Corregedoria do TRF-2, afirma que antes da virtualização dos autos, já havia necessidade de o advogado se dirigir à Vara, identificar-se e pedir vista aos autos, esclarecendo os motivos. “Não é porque os autos eletrônicos trouxeram inúmeras facilidades para os advogados, que tudo agora terá que ser realizado à distância, pela internet, exclusivamente de forma automática, pelo sistema, sem submissão ao crivo judicial ou ao mínimo de segurança que a lei exige, em proteção às partes”, afirma.

 

Justiça estadual

No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a Resolução 16/2010 passou a regular a matéria. O texto também estabelece autorização prévia para que o interessado tenha acesso ao processo virtual do qual não seja parte nem advogado constituído nos autos.

 

No capítulo dedicado ao acesso e consulta dos processos eletrônicos, diz a resolução: “o interessado em consultar o processo eletrônico, que não seja parte ou advogado deste processo, após autorização prévia do juízo, receberá da serventia, na qual está tramitando o processo eletrônico, senha temporária, que expirará em dois dias, para pesquisa a todas as peças do processo, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de Justiça”.

 

Até o fechamento da reportagem, a direção do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não havia retornado a ligação da revista ConJur para comentar o assunto.

Por Marina Ito

Fonte: Conjur – Consultor Jurídico (14.02.11)

 


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