Urnas sancionam reforma fiscal na Suíça e jogam multinacionais em incerteza

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Vale deve ser uma das empresas afetadas pelo pacote apresentado pelo governo suíço

 

GENEBRA - Nas urnas, a população suíça rejeitou uma proposta de reforma fiscal e coloca milhares de multinacionais instaladas nos Alpes, entre elas a brasileira Vale, em um cenário incerteza. Os primeiros resultados apontam para uma rejeição de 60% em relação ao pacote apresentado pelo governo.

 

A proposta sob debate era de que os acordos individuais de isenção que por anos vigoraram com cada uma das empresas fossem substituídos por um tratamento generalizado, ainda que com impostos baixos. Mas a população rejeitou a proposta, o que obrigará o governo a refazer todo o projeto de tributação do país.

 

Desde 2009, o país vem sendo pressionado pelos EUA e pela Europa a adotar regras mais transparentes e impedir que multinacionais declarem apenas na Suíça suas rendas obtidas em todo o mundo. 

 

Com apenas 7 milhões de habitantes e fora da UE, a Suíça começou a atrair grandes empresas a partir dos anos 50. Além de sua neutralidade e estabilidade política, oferecia importantes isenções fiscais. Em Genebra, por exemplo, elas pagam impostos de apenas 11%, contra mais de 27% para as empresas locais. Em algumas regiões, o imposto chega a ser de apenas 7,8%. Hoje, um total de 24 mil empresas estrangeiras estão na Suíça. 

 

Mas, com a crise mundial, a OCDE passou a pressionar paraísos fiscais, alertando contra a possibilidade de que fossem colocadas em uma lista negra de economias que ajudam multinacionais a evadir bilhões em impostos. Para a entidade, o comportamento de países como a Suíça levaram a uma evasão de até US$ 240 bilhões por ano. 

 

A UE também abriu investigações contra gigantes como Amazon, Fiat, Apple e Starbucks, sob a alegação de que estariam se beneficiando de acordos fiscais abusivos em Luxemburgo ou na Irlanda.

 

Temendo ser punida, a Suíça aceitou em 2014 um acordo com Bruxelas pelo qual mudaria seu regime fiscal. O governo desenhou uma reforma e ela foi aprovada no Parlamento. Mas, no ano passado, grupos de oposição alegaram que o assunto teria de passar por um referendo popular. Agora, ela foi rejeitada pelo voto.

 

“A arrogância e o clientelismo foram sancionados”, comemorou Christian Levrat, presidente do Partido Socialista suíço. “A grande aliança de direita fracassou”, disse. 

 

O governo teme que um colapso no regime proposto signifique incerteza e eventual fuga de centenas dessas companhias que empregam 150 mil pessoas no país. Elas ainda são responsáveis por metade dos impostos federais do setor empresarial e uma mudança de endereço dessas companhias poderia representar uma queda de 5% no PIB do país. 

 

A incerteza sobre o voto também vem no momento em que o novo governo americano considera reduzir impostos sobre as empresas e Londres anuncia que, com sua saída da UE, também pretende oferecer pacotes fiscais para manter empresas em sua economia. 

 

Pela reforma proposta pelos suíços, será exigido que empresas nacionais e multinacionais paguem o mesmo percentual, satisfazendo a pressão internacional. Mas, ao mesmo tempo, a taxa harmonizada será relativamente baixa, de 14%, e tentando manter as multinacionais no país. Quem ainda investir em pesquisa e desenvolvimento ganhará novos benefícios fiscais. 

 

Oposição. Mas a coalizão formada pelo partido social-democrata, ambientalistas, sindicatos e mesmo a Igreja alertava que a proposta de impostos mais baixos para o setor privado acabaria afetando as finanças de todos. Na avaliação do grupo, a reforma vai gerar uma queda na arrecadação, ainda que o governo federal tenha anunciado que vai distribuir US$ 1 bilhão às regiões que tenham um impacto em suas contas. 

 

Para a coalizão, a redução de arrecadação vai gerar uma deterioração nos serviços públicos, nas escolas e hospitais. 

Uma das empresas que pode sentir um impacto é a Vale, que tem na Suíça parte importante de sua administração global. 

 

“Para a Vale Internacional na Suíça, há diferentes mudanças na reforma, no imposto de renda, imposto sobre capital que podem ser de uma natureza que impactaria a Vale Internacional”, indicou a empresa em um comunicado ao Estado, antes da votação. “Mas como somos uma empresa que faz parte de um grupo brasileiro, não estamos sujeitos apenas à legislação fiscal da Suíça, mas também outras estrangeiras e que podemos avaliar as coisas de uma maneira mais global”, afirmou.

 

Na Suíça, a Vale chegou a enfrentar uma polêmica em relação a seus impostos. Partidos políticos na região de Vaud questionaram os acordos assinados pela mineradora e chegaram a acusar de se livrar de um pagamento milionários de tributos. Em 2012, as autoridades multaram a empresa em US$ 233 milhões por ser acusada de repatriar lucros de suas atividades internacionais para a Suíça, justamente onde se beneficia de uma exoneração fiscal. 

 

Entre 2006 e 2011, a empresa pagou menos de US$ 300 milhões em impostos graças ao convênio. 

 

Jamil Chade, correspondente

 

 

Fonte: Estadão (12.02.2017)


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