Repatriação reforça caixa de bancas

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O programa de repatriação de ativos não só ajudou a reforçar o caixa do governo federal. Movimentou os escritórios de advocacia, que não esperavam tanta demanda, e os ajudará a fechar o ano com receita extra e, em alguns casos, faturamento acima do projetado. Trouxe ainda para médias e grandes bancas um novo público: as pessoas físicas.

O movimento inesperado levou os escritórios a reforçar as equipes inicialmente preparadas para acompanhar os casos de repatriação. No Bichara Advogados, foram escalados seis advogados. Ao final, 25 estavam no grupo.

 

Nos últimos dias do prazo, a equipe do escritório se reunia a partir das 19 horas para discutir pendências e casos. Só por volta da meia-noite, os profissionais iam para casa. A "força-tarefa" atendeu 380 clientes. "Tenho 24 anos de advocacia tributária e nunca vi um assunto gerar tanta ansiedade", afirma Luiz Gustavo Bichara, sócio do escritório Bichara Advogados.

 

Os escritórios não divulgam a receita obtida com o trabalho, mas alguns indicam um acréscimo no faturamento projetado para o ano que, em muitos casos, foi uma surpresa em meio à crise econômica. Os números da Receita Federal mostram o bom movimento gerado pelo programa. Foram repatriados R$ 169,9 bilhões. Para a União, representou quase R$ 50 bilhões em Imposto de Renda e multa decorrente da formalização de ativos – parte ainda não entrou nos cofres públicos.

 

A repatriação, segundo o presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, abriu um novo nicho de mercado para os escritórios e "o trabalho só começou". "O grande trabalho ainda está por vir, na defesa em processos administrativos, por exemplo", afirma ele, acrescentando que algumas bancas chegaram a fechar áreas de atuação neste ano. "Só recuperação judicial e a área criminal estão se mantendo."

 

De acordo com Carlos Eduardo Orsolon, sócio do Demarest Advogados, crises econômicas afetam determinadas áreas dos escritórios. Se em anos bons são procurados por empresas que querem abrir capital, na crise o interesse é deslocado para a recuperação judicial, por exemplo. "No nosso caso, o ano de crise mudou o tipo de trabalho jurídico, mas não o valor do faturamento. Como a lei veio depois do começo do ano, foi extraordinário", diz Orsolon.

 

Para lidar com a regularização de ativos, a maioria dos escritórios reuniu profissionais de diferentes áreas – tributária, societária, penal e direito de família, em alguns casos. O Siqueira Castro Advogados, por exemplo, formou um time enxuto, com menos de dez profissionais – entre eles três sócios – para fazer cerca de 40 repatriações.

 

O trabalho representou 20% do faturamento da área tributária – responsável por uma das principais fatias da receita do escritório, junto com regulatório e societário. "Para nós, foi uma surpresa", afirma o advogado Maucir Fregonesi Junior, sócio do Siqueira Castro Advogados.

 

Com o forte movimento de pessoas físicas, os escritórios também tiveram que treinar suas equipes para lidar com esse novo público – que não queria muitos profissionais envolvidos em seus casos. "A regularização implicou revelar informações que, às vezes, estavam guardadas há 25 anos ou que nem a família sabia", diz Orsolon, do Demarest Advogados.

 

O escritório, que já atuava com grandes fortunas, mas com foco em pessoas jurídicas, teve que treinar sua equipe de cerca de dez profissionais para o atendimento das pessoas físicas. Por ser um assunto delicado, foi difícil para os advogados obter informações nas primeiras reuniões. "Às vezes, depois de duas horas de reunião, o cliente telefonava para dizer que esqueceu de alguma coisa e pedia para retornar no dia seguinte", afirma Orsolon.

 

Antes da repatriação, a área de grandes fortunas tinha casos pontuais, segundo o sócio, geralmente um por mês. Com a regularização de ativos, o ritmo passou a um caso por dia. A relação com a pessoa física também mudou a forma de cobrar honorários. Enquanto as empresas costumam pagar por hora de trabalho, seguindo uma tabela de honorários, para as pessoas físicas foram estabelecidos valores mínimos e máximos. No Demarest, o mínimo era de R$ 30 mil para os casos mais simples.

 

Trabalhar com pessoas físicas foi uma novidade para muitos escritórios full service, mais acostumados a ter empresas como clientes. De acordo com a Receita Federal, 25.114 contribuintes apresentaram a Declaração de Regularização Cambial e Tributária (Dercat). Do total, apenas 103 eram pessoas jurídicas.

 

"É mais do que ser advogado, é ser parceiro do cliente e em alguns casos quase psicólogo", afirma Alessandro Fonseca, sócio da Área de Gestão Patrimonial, Família e Sucessões do Mattos Filho Advogados. A área foi criada na metade de 2015, com 12 pessoas. Agora, para lidar com 200 casos de anistia, chegou a 20 profissionais.

 

Para Fonseca, o principal legado do trabalho foi a fidelização de clientes. Essa também é a percepção do advogado Luiz Gustavo Bichara. Ele acredita que a repatriação abriu uma clientela nova para o escritório, que tinha pouca atuação com pessoa física. "Com o dinheiro no Brasil, as pessoas ainda podem procurar os escritórios para algum planejamento tributário", diz Bichara.

 

Segundo José Henrique Longo, do PLKC Advogados, algumas pessoas físicas que fizeram a regularização possuem estruturas complexas que podem precisar de ajustes. O escritório já tinha uma área tributária voltada para a pessoa física, que atua em planejamento sucessório e organização de patrimônio.

 

A equipe ganhou quatro novos integrantes e atuou apenas com repatriação por seis meses. Foram feitas cerca de 250 regularizações. O tema foi responsável por 75% do faturamento da área de organização patrimonial e planejamento sucessório, que é uma das principais do escritório.

 

Sócio do Machado Meyer, o advogado Tiago Espellet Dockhorn também acredita que o assunto ainda vai gerar demanda para os próximos anos. Alguns clientes, segundo ele, montaram esquemas complexos para manter os recursos no exterior, apenas para não deixar o caminho do dinheiro transparente. Agora, com a regularização, essa estrutura não é mais necessária, acrescenta.

 

O escritório já atuava para pessoas físicas por meio da Área de Planejamento Sucessório. Mas deslocou sócios para lidar com a regularização de ativos. Foram feitos aproximadamente cem atendimentos. " A diferença é que pessoas que normalmente não fariam planejamento sucessório procuraram o escritório também, mesmo sem patrimônio tão relevante."

 

Por Beatriz Olivon | De Brasília

 

 

Fonte : Valor Econômico (21.11.2016)


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