Recuperação judicial volta a bater recorde, mas eficácia é questionada

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Para especialistas, muitas Empresas usam o recurso como um 'terceiro tempo' para empurrar o pagamento de dívidas

 

SÃO PAULO - Os pedidos de recuperação judicial explodiram nos meses de janeiro a setembro deste ano e atingiram o nível mais alto desde 2005, quando a Lei das Falências foi promulgada. Segundo a Serasa Experian, foram registrados 1.479 ocorrências no período, um crescimento de 62% em relação ao mesmo intervalo de 2015. A lei determina que os processos de recuperação durem até dois anos e meio, mas grande parte deles acaba se arrastando por quase uma década. Segundo especialistas, esse atraso acontece por causa da falta de juízes especializados e da criação de planos inviáveis que criam um "terceiro tempo para as dívidas".

 

Para Luciano de Souza Godoy, professor da FGV Direito, e Tatiana Serafim Flores, ambos Advogados da Perlman Vidigal, a efetiva reorganização dos negócios e eliminação dos passivos podem ser prejudicados quando a Empresa entra tarde demais na recuperação judicial. “É aquela velha história de o paciente só procurar o médico quando já está morrendo”, resumem. 

 

Além disso, o processo é complexo e caro, tirando das pequenas Empresas a possibilidade de utilizar o recurso da maneira mais eficiente. Segundo Godoy e Flores, capitais como São Paulo e Rio de Janeiro estão bem servidas de Escritórios de Advocacia e Comarcas com Juízes especializados para acompanhar os processos, mas essa realidade não se repete no restante do País.

 

O Advogado Paulo Nasser, do escritório Miguel Neto, questiona o crescimento vertiginoso das ocorrências de recuperação judicial. Segundo ele, muitas Empresas podem estar usando o mecanismo como um “terceiro tempo para as dívidas”. “Há Empresas que se aproveitam da instabilidade política e econômica para alegar dificuldades de caixa e empurrar o credores com a barriga”, afirma. 

Nasser destaca que a adoção de planos inviáveis é uma atitude “irresponsável” que diverge do objetivo final de uma recuperação judicial. “Na recuperação, o objetivo principal é preservar o emprego e o toda a cadeia empresarial relacionada com essa Companhia. Salvar o devedor é consequência”. 

 

Ligia Veronese, Advogada que atua na área de recuperação judicial do L.O. Baptista-SVMFA, também reconhece que há Empresas que entram com o pedido com o objetivo de “dar calote”, mas a intenção abusiva deve ser interrompida pelos fiscais do processo, o administrador judicial e o Juiz. “A lei tem seus próprios limites para impedir abusos.”

 

No entanto, ela também pondera que, no interior do País, a dificuldade de fiscalização é muito maior por não haver comarcas especializadas. “Nesses tribunais pode ser que eventualmente passe um caso de Empresa abusiva, que não cumpre os requisitos da lei.”

 

Ao suspender por seis meses a execução das dívidas e permitir renegociá-las com carência e desconto com os credores, a Lei das Falências substituiu a concordata, um engessado instrumento jurídico editado em 1945 e, que na maioria das vezes, levava as Empresas à falência. 

“Até pouco tempo atrás, os empresários tinham um estigma muito forte para pedir uma recuperação judicial por conta da ineficiência da concordata”, lembra o advogado Guilherme Marcondes Carvalho, do Escritório Marcos Machado Advogados. “Mas, se bem utilizada, a recuperação judicial pode ser uma ferramenta muito eficaz”. 

 

Comércio. A combinação entre inflação elevada, aumento do desemprego e a alto custo para tomar empréstimos tem sido fatal para a saúde financeira das Empresas. O economista-chefe da Serasa, Luiz Rabi, lembra que, apesar de existir temores sobre a crescente participação das grandes Companhias nas estatísticas de recuperação judicial - essas empresas já representam 13,86% do total das solicitações -, foi o setor Varejista quem mais sofreu com a recessão prolongada. 

 

A Serasa ainda faz levantamentos semestrais com todos os setores da economia.  O mais recente, sobre o período de janeiro a julho de 2016, mostra que o comércio teve o pior desempenho, registrando um aumento de 106% nos pedidos de recuperação judicial em relação ao mesmo período de 2015. Outro estudo, elaborado pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), aponta que o número de empresas no setor encolheu 6,5% no mesmo período, o que representa o pior início de ano desde 2001. “As micro e pequenas empresas, principalmente do setor de vestuário, são as que mais sofrem para honrar seus compromissos”, explica Rabi. 

 

Um recorte da Serasa ainda releva que, em julho, 4,48 milhões das 8 milhões Empresas existentes no Brasil estavam negativadas, com dívidas que totalizam R$ 107,6 bilhões. O número já é o maior registrado pela Serasa Experian desde o início da medição, em março de 2015.

 

Compra de ativos. Para incentivar a injeção de “dinheiro novo” nessas Companhias, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançou no final de agosto uma linha de crédito de R$ 5 bilhões para a compra de ativos de Empresas em recuperação por outras Companhias. Porém, a medida pode não ser o suficiente para otimizar o processo de recuperação.

 

Os advogados da Perlman Vidigal Godoy Advogados relatam que havia no mercado a expectativa de criação de uma linha de financiamento para as próprias Empresas em recuperação, de modo que os ativos se mantenham nas mãos dos controladores do negócio. "O BNDES incentiva investidores a adquirir ativos, não incentiva as Empresas em recuperação", afirma Luciano Godoy.

 

Fábio Bentes, Economista da Confederação Nacional do Comércio, considera a medida importante, mas questiona a existência de verba federal para arcar com a despesa dos empréstimos."Dinheiro não nasce em árvore, depende de uma situação mais saudável do Governo. Ajuda? Ajuda. Mas a recuperação é muito pontual", diz.

 

Por outro lado, a linha de crédito do BNDES pode atrair investidores que queiram iniciar um negócio no Brasil, sem precisar "começar do zero", já que a medida viabiliza a compra de ativos já consolidados. O Advogado Guilherme Marcondes Machado explica que o retorno para quem compra ativos dessas companhias é alto, já que existe uma garantia legal da não sucessão das dívidas.

 

Nathália Larghi, Ricardo Rossetto e Thaís Barcellos

 

 

Fonte: Estadão (05.10.2016)


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