Supremo adia julgamento sobre quebra de sigilo bancário pela Receita Federal

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Os Ministros do Supremo Tribunal Federal deixaram para esta quinta-feira (18/2) o julgamento dos processos que discutem se a fiscalização tributária precisa de autorização judicial para quebrar o sigilo bancário dos Contribuintes. A discussão começou em sessão extraordinária na manhã desta quarta-feira (17/2) com as sustentações orais das partes em disputa e dos terceiros interessados.

Nas sustentações, os representantes dos Contribuintes defenderam que permitir ao Fisco ter acesso a informações bancárias dos contribuintes sem autorização do Judiciário é inconstitucional por violar o direito ao sigilo e à intimidade, ambos descritos no artigo 5º da Constituição Federal.

Já os representantes do Governo sustentaram que, na verdade, não se trata de quebra de sigilo bancário. Como disse a Procuradora da Fazenda Nacional Luciana Miranda Moreira, o que acontece é uma “transferência de sigilo”. Se os bancos têm a obrigação do sigilo bancário, a Receita Federal tem a obrigação do sigilo fiscal, argumentou a procuradora, e não há interesse em flexibilizar essa obrigação.

 

Escolhas processuais

Estão em pauta duas ações diretas de inconstitucionalidade, apensadas a outras duas, todas de relatoria do Ministro Dias Toffoli, e um recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, de relatoria do Ministro Luiz Edson Fachin. Todos os casos discutem a constitucionalidade de Lei Complementar 105/2001, que regulamenta o sigilo bancário. No artigo 6º, a lei autoriza a fiscalização tributária a ter acesso a informações bancárias dos contribuintes.

Ao pautar apenas ações de controle concentrado e um RE com repercussão geral reconhecida, o Supremo dribla o drible que a Fazenda vem tentando dar na legislação tributária para quebrar o sigilo bancário de Contribuintes. É uma medida que facilita a fiscalização, porque permite ao Fisco cruzar dados de maneira generalizada, com grandes grupos de pessoas. Se depender de um pedido ao Judiciário, o cruzamento de dados deve ser feito de maneira individual.

 

O novo regimento interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf), por exemplo, diz explicitamente que o Órgão não pode afastar a aplicação de lei, exceto se ela tiver sido “declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.

Em entrevista à ConJur, o presidente do Carf, Carlos Alberto Freitas Barreto, explicou que “decisões definitivas” são as tomadas em ações de controle concentrado de constitucionalidade e em recursos com repercussão geral reconhecida. Isso porque a jurisprudência do Supremo, já repetida, é a de que o Fisco não pode acessar dados bancários sigilosos sem pedir para a Justiça. Poré, as decisões foram tomadas em mandados de segurança e, mais recentemente, em um RE sem repercussão geral reconhecida.

E nos casos de autuações fiscais baseadas em quebra de sigilo bancário, o Carf costuma considerar como uma alegação preliminar perfeitamente superável. Tem mantido autuações a contribuintes que não informam ao Fisco a origem de depósitos bancários descobertos por meio da quebra de sigilo.

 

Intimidade
Na sustentação oral desta quarta, o tributarista Ricardo Lacaz Martins, que falou em nome de um dos recorrentes ao Supremo, disse que, se o tribunal não declarar a inconstitucionalidade do artigo 6º da lei, “os contribuintes ficarão em estado de fiscalização contínua”. Isso porque os dados ficariam sempre à disposição do Fisco.

A representante da Fazenda respondeu a essa afirmação dizendo que o interesse do Fisco era ter acesso apenas a informação de grandes Contribuintes e só quando houvesse indícios de algum ilícito tributário. “Há que se diferenciar a intimidade de pessoas físicas e de pessoas jurídicas”, argumentou.

Lacaz, no entanto, citou o exemplo da recente Instrução Normativa da Receita Federal que obriga os bancos a informar todas as movimentações acima de R$ 2 mil de seus clientes ao Fisco. Para o advogado, a norma demonstra o interesse da Fazenda de ter acesso constante às informações financeiras de todos os contribuintes, grandes ou não.

 

Sigilo compartilhado

O advogado da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Sérgio Campinho, afirmou que a lei autoriza “a quebra automática do sigilo e de forma automática”, pois diz que a autoridade tributária “poderá requisitar informações e documentos de que necessitar”. “Quebra-se o sigilo para, se for o caso, promover-se a apuração.”

Lacaz Martins lembrou ainda que a lei trata do Poder Executivo. Ou seja, além da Receita, também os estados e municípios, em tese, têm acesso aos dados bancários sigilosos. “A banalização do sigilo bancário estaria concretizada. Centenas de agentes sem qualquer controle teriam acesso à sua movimentação bancária”, afirmou.

Em sua sustentação oral, o advogado Wladimir Reale, que falou em nome do PSL, acrescentou que “a cada semana vemos os mais diferentes órgãos desejando a quebra de sigilo bancário sem a intermediação do Judiciário”. Segundo ele, que já foi presidente da Associação de Delegados de Polícia do Rio de Janeiro (Adepol-RJ), “ninguém desconhece” que os órgãos de persecução penal também têm interesse nessa discussão.

 

Conflito de interesses

Sérgio Campinho afirmou ainda que a lei trata do embate entre dois direitos fundamentais, o do Estado de fiscalizar e o da intimidade do contribuinte. E só quem pode fazer a ponderação imparcial entre os dois valores é o Poder Judiciário, “um ente equidistante”, como disse o Lacaz.

“Quem pode fazer essa ponderação imparcial no concreto? O Estado-juiz, não a administração estatal. Não é dado ao administrador o direito de quebrar sigilo de dados, ainda que de operações financeiras e bancárias”, sustentou Campinho. “E por que a Constituição fez essa reserva da jurisdição? Porque o constituinte sabe desse conflito de interesses. O Fisco não é imparcial.”

“O Constituinte elegeu o monopólio da primeira e da última palavra ao Poder Judiciário”, completou o tributarista Luiz Gustavo Bichara, procurador tributário do Conselho Federal da OAB, que falou como amicus curiae. “É o Judiciário quem tem a prerrogativa de quebrar o sigilo. Jamais a Receita, jamais os entes federados.”

 

Refém
A procuradora da Fazenda Luciana Moreira se defendeu. Segundo ela, o que a lei garante é que o Fisco tenha acesso “aos elementos do fato gerador”. Ela explicou que essa autorização se volta a contribuintes em que “a única informação que se tem é a declaração de renda unilateral do próprio contribuinte”.

De acordo com a procuradora, “a lei veio adequar uma discrepância, que é a Receita Federal ficar refém da declaração de renda unilateral”. Ela ressaltou, porém, que a quebra de sigilo se volta a contribuintes “com maior capacidade contributiva”.

“Não há qualquer automaticidade. O artigo 6º da lei diz que o Fisco só poderá ter acesso quando houver procedimento administrativo e tais exames sejam considerados indispensáveis”, disse. “Portanto, não há lugar para casuísmos, não há lugar para arbitrariedades. Obstaculizar o processo seria criar mais uma etapa a mais na administração.”

Diante dessas afirmações, o ministro Luís Roberto Barroso questionou a procuradora se essa mesma lógica se aplicaria aos estados e municípios. Luciana relutou, mas disse que “os dados bancários têm mais importância quando se fala de renda”, cuja competência para tributar é da União.

O ministro Ricardo Lewandowski perguntou se essas informações seriam compartilhadas com os órgãos de persecução penal, caso essa autuação fiscal resulte num processo criminal. A procuradora disse que, para a instauração de processos penais, é preciso que se esgote a via administrativa. “Então, ao final do procedimento tributário, me parece que sim.”

 

Eficiência
A secretária-geral de contencioso da Advocacia-Geral da União, Grace Maria Fernandes Mendonça, explicou que a quebra de sigilo diretamente pela Receita resulta numa economia processual. Segundo ela, já houve 93 mil casos de incongruência entre a movimentação financeira e a declaração de renda, e o repasse direto de informações possibilitou 38 mil ações de cobrança.

Grace também deu o exemplo de contribuintes que movimentaram R$ 15 milhões, mas declararam “dez vezes menos” à Receita Federal. “Esse repasse de informações se dá de forma arbitrária, especulativa? De forma alguma”, continuou a advogada da União. “A lei especifica que esse sigilo se estenda também no que se refere à autuação da Receita. E para finalidade de cotejo entre a declaração de renda e a movimentação bancária.”

O procurador-geral do Banco Central corroborou os argumentos da colega. Ele explicou que o papel do BC é o de agência reguladora do sistema financeiro para proteção da moeda. “Seria impossível zelar pela moeda sem esses dados. Não é possível cuidar do que não se pode ver.”

 

Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.

 

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico (17.02.2016)


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