Pouco mais de um mês depois de ser regulamentada, a Lei Anticorrupção ainda provoca polêmica no meio jurídico e entre órgãos públicos. No Seminário Lei Anticorrupção (12.846/13), realizado no dia 7 pelo Valor, foram levantadas dúvidas sobre a aplicação de instrumentos como o acordo de leniência e a competência exclusiva da Controladoria Geral da União (CGU) para conduzir os processos. Ninguém discorda, porém, da importância da lei, a primeira de combate à corrupção direcionada exclusivamente a pessoas jurídicas no Brasil, para estimular a adoção de boas práticas e desenvolver uma nova cultura de prevenção. "Estamos vivendo um momento virtuoso do combate à corrupção no país e, neste processo de melhoria da relação entre fornecedores privados e setor público, as empresas terão que ter comportamento mais ético e mais responsável", afirma o ministro de Estado e chefe da CGU, Valdir Simão.
O impacto da nova lei nas empresas é visível, segundo Leonardo Sica, presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e um dos participantes do painel Combate à Corrupção e os Efeitos sobre as Empresas. "Antes, as empresas tinham um comportamento reativo: só agiam quando surgia um caso de corrupção. Agora, o assunto está na pauta do dia." Sica diz que as empresas têm desenvolvido programas para informar funcionários sobre a legislação e aperfeiçoado códigos de conduta, criando também canais de denúncia.
Maurício Reggio, sócio-diretor da ICTS Consultoria, especializada em temas de governança e compliance, diz que, desde o final do ano passado, a demanda por criação de canais de denúncia entre seus clientes cresceu 30%. "As empresas nacionais não tinham estruturas de compliance. No máximo, eram áreas incipientes. Só agora estão dando os primeiros passos", afirma. "Mas não adianta ter um compliance para inglês ver. Estruturas não efetivas não serão consideradas para efeito de lei e acordos de leniência", alerta Patrícia Audi, secretária de transparência e corrupção da CGU.
Para Simão, a lei prevê atenuantes para empresas que possuam programas de integridade efetivos. Ele acredita que, no futuro, o compliance possa vir a ser um requisito para que as empresas façam negócios com o governo. "É uma tendência da legislação", afirma.
Esse é um dos poucos pontos de consenso entre os participantes do seminário. Quando o assunto é acordo de leniência - um dos tópicos mais importantes da lei, que prevê benefícios para empresas que contribuam com as investigações nos casos de corrupção em que estejam envolvidas -, o Ministério Público é um dos principais críticos da exclusividade da CGU, um órgão do Executivo, na condução das investigações. "Essa composição entre empresa e governo sem a fiscalização do MP é nociva para a sociedade, é um conflito de interesses", diz Roberto Livianu, promotor de Justiça e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático. Além disso, ele aponta o caso de municípios que não possuem órgãos de controladoria para investigar as denúncias e promover os acordos, que poderiam contar com o MP.
"A Controladoria tem plena competência técnica, legal, regimental e autonomia para executar os processos de responsabilização e, eventualmente, fazer acordos de leniência. Estamos preparados para a aplicação da Lei", disse Simão na exposição de abertura do evento.
Outro aspecto da lei que preocupa os especialistas é o estabelecimento da responsabilidade objetiva para pessoas jurídicas por atos contra a administração pública nacional ou estrangeira. Segundo a advogada Isabel Franco, sócia da KLA Koury Lopes Advogados, a responsabilidade objetiva independe de culpa ou dolo - não interessa se a empresa sabia ou não dos atos de corrupção. "Antes da 12.846, apenas as pessoas eram responsabilizadas pela legislação brasileira por atos de corrupção nas corporações. Agora, as organizações têm que ter cautela, pois podem ser acusadas por fornecedores, funcionários, imprensa, Ministério Público, e terão de arcar com as consequências." A incidência da Lei Anticorrupção, porém, não afasta a possibilidade de que as pessoas físicas sejam investigadas nos âmbitos cível e criminal.
Especialista na legislação anticorrupção americana, Isabel explica que as experiências internacionais têm mostrado que as empresas acusadas de corrupção, além de sofrerem as sanções legais, perdem prestígio e valor de mercado. Além disso, as organizações poderão ser expostas em cadastros nacionais de empresas punidas (CNEP) ou Inidôneas e Suspensas (CEIS), que sofrem restrições como a de não poder participar de licitações públicas.
A reparação do dano reputacional, porém, é uma das vantagens que o cumprimento dos acordos de leniência pode trazer para as empresas que decidirem cooperar com as investigações. Patrícia Audi, da CGU, diz que a lei traz novas oportunidades de distinguir empresas e transformar o comportamento ético em ativo diante da concorrência e diferencial para fechar contratos com o governo. Para Luis Inácio Adams, Advogado-Geral da União (AGU), esse é o objetivo principal da Lei: formar uma cultura de boas práticas e controles internos por meio da instituição da responsabilidade objetiva.
Outra questão abordada pela CGU envolve a responsabilização das micro, pequenas e médias empresas em casos de corrupção. Nos próximos dias será lançada uma portaria definindo parâmetros simplificados para programas de compliance condizentes com o porte e as especificidades das PMEs, além de um guia com orientações sobre a aplicação da norma.
Sica, da Associação dos Advogados de São Paulo, acredita que a lei, sozinha, não será suficiente para mudar o que classifica de "subcultura da corrupção" disseminada no país. É preciso, diz ele, que as empresas criem voluntariamente seus próprios mecanismos de transparência.
Vívian Soares e Maria Alice Rosa - São Paulo
Fonte: Valor Econômico / Clipping Eletrônico AASP (11.05.2015)