Novo CPC pode estrangular recurso extraordinário e o recurso especial

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Nem bem sancionada a Lei 13.105 de 16 de março de 2015 — novo Código de Processo Civil brasileiro —, já se pode observar que algumas alterações introduzidas no sistema processual civil brasileiro não podem ser festejadas como instrumental de agilização ou da celeridade da prestação da tutela jurisdicional.

 

Refiro-me ao disposto no artigo 1030, parágrafo único, do novo CPC, inserido na Subseção I, das Disposições Gerais referente ao procedimento do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário do atual CPC, que assim dispõe:

"Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão remetidos ao respectivo tribunal superior.

Parágrafo único. A remessa de que trata o 'caput' dar-se-á independentemente de juízo de admissibilidade.

 

A partir do ano de 2016, e de acordo com o que dispõe o artigo 1030, parágrafo único, do novo CPC, não haverá mais o juízo de admissibilidade de recurso especial ou extraordinário feito pela Presidência ou Vice-Presidência dos Tribunais de Apelação (Federal ou de Justiça).

Na vigência do novo CPC, uma vez interposto o recurso especial ou extraordinário, a Secretaria do Tribunal de apelação, por meio de ato ordinatório, intimará o recorrido para apresentar contrarrazões no prazo de 15 dias, findo o qual os autos serão remetidos ao respectivo tribunal superior, independentemente de juízo de admissibilidade.

 

Portanto, o juízo de admissibilidade do recurso especial ou extraordinário será feito, a partir do ano que vem, somente pelos tribunais superiores, no caso o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça.

No papel, isso parece salutar, pois não se justificaria a existência de dois juízos de admissibilidade, quando a palavra final sempre será do tribunal competente para julgar o recurso.

 

Porém, um dado estatístico singular poderá causar muita preocupação com o possível estrangulamento do processamento do Recurso Especial ou Extraordinário em razão da extinção do filtro recursal feito, até então, pela Presidência ou pela Vice-Presidência dos tribunais regionais federais e dos tribunais de justiça.

 

No caso do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, num período aproximado de 16 meses, foram proferidas aproximadamente 26 mil decisões negando seguimento a recurso especial ou extraordinário. Dessas 26 mil decisões foram interpostos aproximadamente 17 mil agravos de instrumento ao STJ ou STF visando à subida dos recursos extraordinários ou especiais não admitidos.

Portanto, aproximadamente 9 mil processos foram encerrados nos tribunais de apelação, não subindo aos tribunais superiores.

 

Percebe-se, assim, que o juízo de admissibilidade feito atualmente pela Vice-Presidência dos tribunais regionais federais e dos tribunais de justiça funciona como um importante filtro de processos que devem subir aos tribunais superiores, evitando uma sobrecarga ainda mais relevante nesses tribunais.

 

Além desse juízo de admissibilidade funcionar como um filtro de subida de processos aos tribunais superiores, também facilita o trabalho do STJ e do STF, quando da realização  do seu próprio juízo de admissibilidade, pois de certa forma a análise preliminar feita pela Presidência ou Vice-Presidência dos tribunais regionais federais e dos tribunais de justiça permite maior agilização dos trabalhos nos tribunais superiores, justamente pela seleção das temáticas a serem abordadas nessas espécies de recursos.

 

Porém, a partir de 2016, não havendo mais esse juízo prévio de admissibilidade, todos os processos serão remetidos ao STF e ao STJ para a realização primeira e única de juízo de admissibilidade.

Assim, se o novo Código de Processo de Civil entrasse em vigor a 16 meses atrás, teriam subido ao STJ e ao STF não somente 17 mil processos, mas, sim, 26 mil processos, os quais todos estariam literalmente 'virgens' na análise de juízo de admissibilidade.

 

Agora, multiplique-se essa conta levando-se em conta o a análise de admissibilidade de recurso especial ou extraordinário nos cinco tribunais regionais federais e nos 27 tribunais de justiça.

O que se pode perceber é a aproximação de um estrangulamento na análise de processos no STF e no STJ, acarretando uma acumulação geométrica no trabalho de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário, causando um verdadeiro caos na análise de admissibilidade desses processos.

 

Portanto, diante dessa nova realidade procedimental no âmbito do juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário, o que se percebe, lamentavelmente, é que haverá um enorme atraso na análise de admissibilidade desses instrumentos de impugnação, tornando ainda mais morosa a Justiça e a resolução das questões trazidas ao Judiciário.

A única solução seria criar no STF e no STJ uma superestrutura de secretaria para a realização do juízo de admissibilidade dos recursos, o que é de se duvidar de sua efetiva eficácia.

 

Concluindo, essa alteração procedimental prevista no novo CPC, indubitavelmente, irá esvaziar, e muito, a atual função da Vice-Presidência ou da Presidência do tribunal 'a quo', uma vez que não haverá mais espaço para análise de admissibilidade de recurso especial ou extraordinário.

Contudo, entendo que o STJ e o STF ficarão ainda mais sobrecarrecados com a necessidade de se fazer a análise de admissibilidade de todos os recursos especiais ou extraordinários interposto no Brasil, tornando-se ainda mais moroso o trâmite processual.

 

Artur César de Souza é juiz federal auxiliar da vice-presidência do TRF da 4ª Região.

 

 

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico (23.03.2015)


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