Especialistas defendem ajustes na Repercussão Geral e Súmula

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Criadas pela reforma do Judiciário para desafogar e evitar que temas menores cheguem ao Supremo Tribunal Federal (STF), a súmula vinculante e a repercussão geral, apesar dos bons resultados trazidos inicialmente, são ferramentas que, na análise de ministros e advogados, precisam ser repensadas. A primeira porque é pouco utilizada, em razão da burocracia para a aprovação dos enunciados, e a segunda pela demora com que os temas de relevância são julgados pela Corte.

 

Em sete anos, os ministros do Supremo editaram 36 súmulas vinculantes e deram repercussão a 545 casos, dos quais apenas 229 foram avaliados. Há 316 temas que aguardam uma decisão da Corte. O STF levará ao menos 12 anos para acabar com esse estoque se mantiver o ritmo de julgamentos atual, conforme cálculos do ministro Luís Roberto Barroso, defensor de mudanças nesse procedimento. A consequência da morosidade, nesse caso, é que enquanto um tema com repercussão não é julgado, os processos que discutem assunto idêntico ficam parados na Justiça. Hoje, há cerca de 810 mil ações sobrestadas por esse motivo.

 

O ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF, afirma que os dois mecanismos são prioridades de sua gestão e que, para torná-los mais eficientes, basta vontade política dos integrantes da Corte. "Nós vamos dar os marcos regulatórios necessários não apenas para todos os operadores do direito e para a administração pública se situarem dentro da visão que o STF tem em relação aos mais variados temas, mas também para os investidores", afirma. "Se tivermos um número de cem súmulas vinculantes, os investidores saberão a orientação da Corte sobre os mais variados temas: previdenciários, tributários, societários."

 

O próximo passo do ministro é tentar transformar as súmulas comuns do Supremo em vinculantes. "Quero pegar todas aquelas que continham objeto de decisões reiteradas do ponto de vista constitucional e transformar em vinculantes. Vamos verificar todas as que têm essa característica", diz. Segundo ele, desde que assumiu a presidência, foram editadas quatro súmulas vinculantes. Além disso, acrescenta que há 57 temas em análise.

 

O ministro Luís Roberto Barroso avalia que a repercussão geral é um mecanismo importante que não foi capaz de produzir ainda o efeito desejado: funcionar como um filtro para que o Supremo julgue apenas o que efetivamente for importante e em um prazo razoável. "Hoje há um estoque médio de 300 processos com repercussão geral. Considerada a média histórica, até 2013, de 27 julgamentos por ano, seriam necessários 12 anos para acabar com ele", afirma.

 

O ministro entende que o Supremo não deve conceder mais repercussões do que seja capaz de julgar em um ano. Segundo ele, há uma quantidade de repercussões que são julgadas em plenário virtual para mera reafirmação de jurisprudência. E há os casos em que, claramente, não há repercussão, mas levam o plenário a analisar para negar a repercussão geral.

 

Atualmente, depois que a proposta de repercussão é colocada no plenário virtual, os ministros têm 20 dias para julgá-la. Uma das sugestões de Barroso é que as repercussões passem a ser analisadas por semestre e, enquanto não for julgado o estoque, sejam dadas somente dez por semestre. Pela proposta, tudo a que não se atribuir repercussão transitaria em julgado. Com a medida, ele acredita que os ministros terão um semestre para estudar o caso e os advogados saberão a data do julgamento dos seus processos com antecedência. Fato que acabaria com os pedidos de vista.

 

A ideia, já apresentada internamente por Barroso aos demais colegas, é que o tribunal tenha uma agenda anual. "Minha sugestão é que as repercussões deixem de ser avaliadas na medida que cheguem e, enquanto não julgarmos o estoque, que só dê repercussão a dez por semestre", afirma.

 

A análise de quem está de fora do Judiciário também é crítica em relação aos instrumentos. O constitucionalista Saul Tourinho afirma que os dois instrumentos melhoraram a vida dos tribunais superiores por um tempo. "Agora, o gargalo já começa a bater às portas dos gabinetes novamente. Enquanto não mudarem as bases da litigância nacional, não tem repercussão geral que resolva. E isso, a reforma do Judiciário não fez", diz.

 

Para a professora da FGV Direito SP, Luciana Gross Cunha a súmula vinculante serviu apenas para burocratizar e centralizar o sistema nas mãos do STF. "Achavam que com essa centralização, ao fim haveria mais segurança jurídica, mas ao analisar as decisões percebemos que vários precedentes não são reconhecidos", afirma. Segundo ela, as súmulas vinculantes não afetam todos os processos sobre determinado tema porque não há um sistema nos tribunais que identifique a repetição. Em relação à repercussão geral, Luciana diz que o instrumento tem abarrotado os tribunais do Estado. "Há uma demora de cinco anos para o processo ser distribuído no tribunal estadual [de São Paulo]."

 

No mercado, o sentimento é de que são necessárias mais súmulas vinculantes e mais decisões com repercussão geral. Para o diretor jurídico da Cosan, Elias Marques de Medeiros Neto, as novas ferramentas criadas pela reforma fizeram o Judiciário começar a caminhar em direção à segurança jurídica. "Depois de um julgamento com repercussão geral, sempre fazemos uma análise para decidir se vale a pena ingressar com ação. Um número maior de casos deveriam ser julgados com repercussão", afirma. O diretor jurídico da Philips, Bruno Ferraz de Camargo, estende essa análise ao efeito da súmula vinculante. "Porque ela confere uma previsibilidade maior na hora da análise de risco. Se informo minha matriz que meu país tem um sistema de súmula vinculante, isso cria confiança", diz.

 

O professor titular de direito processual civil da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e Unesp, Nelson Nery Junior, vê pontos positivos da reforma, mas afirma que uma reforma processual apenas é um paliativo, pois não combate as causas dos problemas do Judiciário, apenas os efeitos. "O excesso de processos no Brasil é algo cultural. Precisamos passar por uma reforma política e tributária."

 

Por Laura Ignacio, Zínia Baeta, Beatriz Olivon e Juliano Basile | De São Paulo e Brasília

 

 

 

Fonte: Valor Econômico (19.12.2014)


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