Alteração do CPC traz mais segurança jurídica

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Foi publicada no Diário Oficial da União, no último dia 09 de setembro, a Lei 12.322/2010, que altera alguns dispositivos legais do Código de Processo Civil. Adianto duas conclusões cujos fundamentos serão desenvolvidos a seguir a respeito da novidade legislativa: é possível se verificar um ganho razoável em termos de economia processual e significativo de segurança jurídica; e o legislador perdeu uma ótima oportunidade de modificar mais do que a literalidade de alguns dispositivos legais alterados.

 

A principal novidade é a mudança procedimental do agravo do artigo 544 do CPC, que deixa de ser chamado de Agravo de Instrumento e passa a ser chamado somente de agravo. Já tive a oportunidade de criticar o legislador em nomear tal recurso de agravo de instrumento:

“A infelicidade do legislador pode ser percebida por vários aspectos que diferenciam o agravo de instrumento do agravo contra decisão denegatória de seguimento de recurso especial e/ou extraordinário: (a) o local de interposição é diferente, considerando-se que o agravo ora analisado é interposto perante o órgão prolator da decisão recorrida; (b) a natureza da decisão recorrida é diferente, sendo a decisão que não admite o recurso especial e extraordinário uma decisão final, que não sendo impugnada põe fim ao recurso; (c) os procedimentos perante o tribunal competente para o julgamento desses agravos são distintos; (d) ainda que ambos tenham peças obrigatórias, há sensível diferença entre elas”.

 

A mudança de nome, portanto, deve ser comemorada pelo simples fato de distanciar o agravo do artigo 544 do CPC do agravo de instrumento. O legislador, entretanto, foi além de uma mudança meramente semântica, modificando importante aspecto do procedimento do recurso ora em análise. Segundo consta da nova redação do artigo 544, caput, do CPC, não sendo admitido o recurso especial ou extraordinário, caberá no prazo de 10 dias recurso de agravo a ser interposto nos próprios autos principais, que após a observação do contraditório, nos termos do artigo 544, parágrafo 3º do CPC, serão encaminhados ao tribunal superior.

 

Significa dizer que não se faz mais necessária a criação de novos autos para instrumentalizar o recurso de agravo, o que dispensará o advogado do agravante do trabalho de instruir o recurso com cópia de peças processuais, considerando que diante da nova sistemática recursal os tribunais superiores terão acesso aos autos principais no momento de julgamento do agravo.

 

A novidade atende ao princípio da economia processual, porque dispensa o advogado de instruções que custavam dinheiro em cópias, bem como dispensa os tribunais superiores de digitalização de inúmeras cópias de peças presentes nos autos principais, bem como do controle da existência ou não das peças no caso concreto. Ganha o jurisdicionado que vê uma diminuição – ainda que não significativa – do custo final do processo, e ganha o Poder Judiciário com a dispensa de trabalho meramente mecânico, direcionando-se os serventuários para outras atividades mais produtivas.

 

Além do atendimento ao princípio da economia processual, o ganho em termos de segurança jurídica é significativo. Quantos foram os agravos do artigo 544 do CPC que deixaram de ser conhecidos por vícios formais? Alguns deles absolutamente irrelevantes e sanáveis. A doutrina majoritária fala em jurisprudência defensiva, mas prefiro o termo “terrorismo judicial” na postura dos tribunais superiores em termos de admissibilidade recursal.

 

Com o novo sistema recursal do agravo do artigo 544 do CPC desaparecem as desagradáveis surpresas em juízos de admissibilidade desse recurso, tal como a incapacidade de o Ministro relator ler um carimbo dado pelo próprio Poder Judiciário, ou a constatação de que faltou uma peça que o tribunal reconhece não ser necessária por previsão da lei, mas entende indispensável à sua compreensão da demanda e/ou da pretensão recursal.

 

São aspectos que naturalmente animam o operador do Direito, tão judiado ultimamente, mas o entusiasmo com a alteração legislativa não parece ser significativo em termos de celeridade processual. Discordo daqueles que defendem que a mudança diminuirá o tempo de duração do processo, considerando que os tribunais superiores poderão passar imediatamente ao julgamento do recurso especial ou extraordinário ao dar provimento ao agravo. Na realidade esse julgamento imediato, até mesmo com a transformação do agravo em recurso especial ou extraordinário, já era admitido nos termos do artigo 544, parágrafos 3º e 4º do CPC, que também foram modificados em sua redação para se adequarem à nova realidade de remessa dos autos principais para o Tribunal.

 

As modificações nos parágrafos 2º, inciso II e 3º do artigo 475-O e parágrafo único do artigo 736, todos do CPC, se prestam apenas a adequar os dispositivos à nova realidade criada pela nova sistemática recursal inaugurada pela nova redação do art. 544 do CPC. E nesse tocante o legislador perdeu duas ótimas oportunidades de melhorar as normas legais supracitadas.

 

O artigo 475-O, parágrafo 2º, inciso II, do CPC, prevê uma das hipóteses de dispensa da caução na execução provisória, quando se considera a grande probabilidade de a sentença ser confirmada de forma definitiva. Portanto, estando pendente o agravo (o legislador somente excluiu o termo “de instrumento”) contra decisão denegatória de seguimento de recurso especial e/ou extraordinário, a caução será dispensada. Ainda que seja possível a reforma ou a anulação da decisão, entendeu o legislador que as chances disso ocorrer são pequenas, de forma que vale a pena correr o risco da dispensa da caução . Ocorre, entretanto, que o risco a ser assumido dependerá do caso concreto, sendo cabível a prestação da caução sempre que o executado fizer tal pedido e demonstrar que a dispensa pode manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.

 

Já tive a oportunidade de analisar de forma crítica essa previsão legal:

“Duas são as críticas possíveis à previsão legal: (a) o legislador só leva em consideração o perigo causado pela dispensa, não havendo nenhuma exigência de que o direito alegado pelo executado no recurso pendente de julgamento seja provável, admitindo-se a prestação de caução mesmo em recurso flagrantemente protelatório, contrário ao entendimento consolidado e até mesmo sumulado dos tribunais superiores; (b) cria-se uma hipótese de decisão interlocutória que certamente ensejará a interposição de agravo de instrumento , recurso tão lembrado como o grande vilão da paralisação de alguns tribunais de segundo grau”.

 

Lamenta-se, portanto, que o legislador não tenha se aproveitado da mudança do dispositivo legal para corrigir a distorção presente na primeira crítica apresentada, passando a exigir também para a prestação da caução a probabilidade razoável de o agravante ter sucesso em sua empreitada recursal.

 

O artigo 475-O, inciso 3º, do CPC, fazia expressa menção ao artigo 544 do CPC, o que exigiu sua reformulação. Naturalmente não se podia mais cobrar do advogado que instrui a carta de sentença para dar inicio a execução provisória a mesma postura cobrada do advogado que interpõe o agravo do artigo 544 do CPC, até porque a partir de agora não há mais instrução desse recurso. O legislador, entretanto, manteve a inútil exigência formal do advogado declarar as cópias das peças autênticas. É evidente que a declaração do advogado não tem capacidade para tornar autêntica uma peça falsa, como também a ausência de tal declaração não tornará falsificada uma peça autêntica. Por outro lado, a responsabilidade – penal, civil, administrativa – pela juntada de peças falsificadas existirá independentemente de o advogado ter declarado sua autenticidade. Ainda que existam decisões dispensando a declaração de autenticidade pelos advogados , o legislador perdeu uma ótima oportunidade de retirar a inútil exigência do dispositivo legal ora mencionado.

 

A mesma crítica elaborada para a timidez da mudança do artigo 475-O, inciso 3º do CPC se aplica a mudança do artigo 736, parágrafo único, do CPC, que trata da instrução dos embargos à execução, já que mantida a inútil exigência formal de declaração de autenticidade pelo advogado das peças que instruem sua defesa típica no processo de execução.

Por Daniel Amorim Assumpção Neves

 

Fonte: Conjur - Consultor Jurídico (15.09.10)


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