Redes de varejo usam crédito para ampliar receita e clientes

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Empréstimo Pessoal. Maior restrição dos bancos pode impulsionar as concessões feitas pelas gigantes varejistas, que trabalham com taxas altas, às vezes maiores que as do cheque especial

 

 



As grandes redes de varejo encontraram nos empréstimos pessoais, concedidos para consumidores que possuem o cartão de marca própria da loja (private label), uma forma de ampliar as receitas e fidelizar os clientes. Com o aumento das restrições dos bancos, as gigantes varejistas devem ampliar a liberação desse crédito, que, diferentemente de outras linhas, não precisa ser necessariamente usado para comprar produtos da própria loja.

Algumas redes estão, inclusive, divulgando essa modalidade de empréstimo em publicidade nos vagões do metrô. As taxas cobradas pelas empresas, entretanto, costumam ser mais salgadas que as praticadas pelos bancos. E, segundo especialistas consultados pelo DCI, diante do cenário previsto para 2015, com possível alta do desemprego, inflação e consequente aumento dos riscos de calotes, os juros podem subir ainda mais.

Na Pernambucanas, uma das redes que trabalham com o crédito, o cliente que possui cartão private label da loja (o cartão Pernambucanas) consegue tomar emprestado até R$ 6 mil junto à empresa e pode pagar em até 12 vezes, com prazo de 45 dias para quitar a primeira parcela.

A reportagem ligou para a Central de Atendimento da Pernambucanas - o site não divulga os juros da operação - e foi informada que as taxas para o empréstimo variam entre 8,9% e 13,9% ao mês, o que equivale a um juro entre 178,18% e 376,74% ao ano. De acordo com a funcionária que atendeu a ligação, os juros mudam conforme o perfil do cliente, o valor do crédito e o número de parcelas.

O último boletim de operações de crédito do Banco Central aponta que a taxa de juros média do empréstimo pessoal nos bancos encerrou dezembro de 2014 em 102% ao ano - ou 6% ao mês. A taxa de juros média do cheque especial, a maior do sistema financeiro, ficou em 200,6% ao ano.

Risco x retorno


"O alto risco de inadimplência é compensado pelas altas taxas de juros. O valor perdido com pessoas que eventualmente não pagarem o empréstimo é compensado por aquelas que pagarem", diz Werther Liconti, diretor comercial da Senff, empresa administradora de cartões de crédito.

Em seu site, a Lojas Americanas oferece, por meio de seu cartão, administrado pela empresa Cetelem, empréstimo pessoal que pode ser parcelado entre quatro e 18 vezes. Os juros variam entre 1,9% e 15,9% ao mês - ou de 26,6% a 492,9% ao ano - ainda segundo informações do site da empresa, acessado ontem a tarde pelo DCI.

Para Vitor Augusto França, assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), o crédito pessoal é um importante canal para as redes varejistas impulsionarem a renda e diversificarem a receita, atingindo, inclusive, um consumidor que, muitas vezes, não é bancarizado.

"É um canal muito vantajoso, diferenciado porque tem contato direto com o consumidor. Às vezes é um cliente que não tem conta, não tem cartão e tem dificuldade de conseguir empréstimo", observou. Pesquisa do Data Popular divulgada há dois anos aponta que 39,5% da população brasileira com mais de 18 anos não possui conta corrente ou caderneta de poupança. "As grandes redes aproveitam desse canal para garantir fidelização", analisou França.

Liconti afirmou que a Senff optou por não operar com empréstimo pessoal por conta dos altos riscos envolvidos. De acordo com ele, nessa modalidade, o crédito é concedido à vista para o consumidor, enquanto os pagamentos são feitos a prazo. "Se você tiver uma carteira de R$ 40 milhões em empréstimo pessoal, você precisa ter R$ 40 milhões em caixa. Com cartão, o recebimento é feito a prazo, porém, o crédito também é concendido em parcelas", disse.

França ponderou que, como o empréstimo é, em grande parte, voltado para pessoas não bancarizadas, é natural que os juros sejam maiores. "Como esses clientes não têm histórico de empréstimo, o risco de inadimplência é maior", disse.

De acordo com Linconti, a opção de oferecer o crédito depende do apetite pelo risco do lojista, que baliza também a eficiência do negócio. "No nosso caso, a gente prefere preservar o poder de compra do cliente, não o endividando com os empréstimos, para que ele possa consumir na loja", observou. O educador financeiro da DSOP Educação Financeira Reinaldo Domingos, disse que, do lado do consumidor, o empréstimo é um "erro capital".

"Ao tomar crédito com juros altíssimos, o consumidor não está resolvendo seu problema com dívidas, o está agravando", afirmou. "Com esse tipo de empréstimo, dentro de cinco ou seis meses, ela dobra a dívida", completou o educador. Para ele, o fato de a pessoa não conseguir empréstimos nos bancos deveria ser mais um sinal para evitar esse crédito.

Parcerias com bancos


Apesar de ainda existirem várias parcerias entre as grandes varejistas e bancos, como é o caso da C&A e do Bradesco, na área de cartões, e do Itaú e das lojas Marisa, também no setor de cartões, muitas redes estão optando por trabalhar com uma financeira própria, como ocorre com a Renner, que opera com o Realize Operações Financeiras, fundado em 2006, dentro da própria empresa.

Embora não trabalhe com empréstimo pessoal, o grupo possui um serviço de saque, feito por meio do cartão. "É o jeito mais fácil de realizar o seu projeto. Com ele, você pode iniciar o curso que você tanto queria, realizar a tão sonhada viagem, dar a entrada do seu carro ou até mesmo aquela forcinha no orçamento", diz a publicidade veiculada no site da instituição.

O portal, acessado ontem à tarde, não informa o valor das taxas e não apresenta telefone para contato, que pode ser feito apenas por e-mail. Para França, com o cenário econômico atual, as redes varejistas que trabalham em parceria com bancos podem ou não frear as concessões de crédito. "Há um conflito de interesses. Bancos estão preocupados com os calotes e os lojistas querem impulsionar as vendas", disse.

Para Linconti, a posição dos bancos abre brecha para as gigantes do varejo concederem mais crédito. De acordo com ele, contudo, com o aumento do risco haverá aumento do juro. Em nota, a Americanas disse que "não trabalha com empréstimo pessoal" - a operação é feita por meio da sua parceira, a Cetelem. A Renner e a Pernambucanas foram procuradas, mas não se posicionaram até o fechamento da edição.




Veículo: DCI


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