A corrida para resolver o problema do lixo começou

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Nos últimos 15 anos, cerca de 95 000 toneladas de embalagens descartadas foram entregues por consumidores em 141 lojas do Pão de Açúcar, maior varejista do país. Criado em parceria com a fabricante de bens de consumo Unilever, o programa envia o material para cooperativas de catadores e, assim, ajuda a diminuir a pressão sobre os aterros sanitários e os quase 2.500 lixões existentes no Brasil.

Desde dezembro, a rede começou a testar mudanças para elevar a média recente, de cerca de 10.000 toneladas por ano. Num projeto piloto, sete pontos passaram por reformas e se tornaram mais visíveis e organizados. Ao entregar os resíduos que separou em casa, o consumidor começa a ser informado sobre as condições em que as embalagens devem ser entregues.

Potes com restos de alimento, por exemplo, não são aproveitados. “Sem informar o cliente, não vamos avançar”, diz Laura Pires, gerente de sustentabilidade do Grupo Pão de Açúcar. A movimentação retrata o início da corrida para atingir metas previstas pelo recém-firmado acordo setorial das embalagens.

Assinado em novembro, após três anos de negociações, faz parte dos esforços de implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em vigor desde 2010.

Vinte e duas associações empresariais — entre fabricantes de bens de consumo e fabricantes diretos de embalagens — firmaram com o governo federal o compromisso de ajudar a reduzir 22% do volume desses resíduos que chegam aos aterros até 2018, na comparação com 2012.

Estima-se que, para isso, as empresas envolvidas no acordo deverão coletar conjuntamente 3 815 toneladas por dia nos próximos dois anos. Sobram obstáculos no caminho — desde a baixa capilaridade dos postos de coleta no varejo até a pouca informação que o consumidor final tem a respeito do assunto país afora.

A única boa notícia é que o processo de coleta e triagem por catadores de material reciclável está amplamente estabelecido nos principais centros de consumo. “O acordo é o ponto de partida para formalizar uma cadeia enorme já existente”, afirma Victor Bicca, diretor de relações públicas da Coca-Cola e presidente do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), uma das entidades que coordenaram a assinatura do documento.

Também nesse quesito, porém, sobram problemas a resolver. Estima-se que hoje existam 600.000 catadores no país. Muitos vivem e trabalham em condições precárias. Apenas 10% deles estão vinculados a uma cooperativa e, ainda assim, isso não significa muita coisa.

A maioria não está legalizada nas prefeituras e sofre com falta de infraestrutura e gestão: não oferece treinamento aos cooperados e tem dificuldade para contabilizar as vendas. Segundo o acordo, caberá às empresas signatárias ajudar a dar corpo a essas cooperativas — uma tarefa que exige muito mais do que dinheiro.

“Montamos um programa para ajudá-las a superar problemas básicos de organização e de segurança no trabalho”, afirma Simone Veltri, gerente de relações socioambientais da fabricante de bebidas Ambev, que mantém um programa de coleta de embalagens desde 2012 e se relaciona hoje com cerca de 60 cooperativas em todo o país.

Hoje uma equipe da empresa faz um diagnóstico técnico de cada uma e estabelece um plano de ação e metas anuais de melhoria. As dificuldades surpreen­deram os executivos da fabricante de cosméticos Natura, que há menos de um ano se aproximaram de cinco cooperativas em São Paulo.

Para coordenar o projeto piloto, a empresa escalou o executivo Sérgio Talocchi, que por sete anos foi responsável pela gestão do relacionamento com cooperativas rurais fornecedoras de insumos para cosméticos. “A rotatividade e os problemas de liderança são muito maiores no universo urbano do lixo do que no rural”, diz Talocchi.

Tão árduo quanto o trabalho com os catadores será mudar hábitos do consumidor. Em primeiro lugar, é necessário ter mais pontos de coleta. Nesse sentido, o acordo prevê que as empresas de embalagens deverão custear e operar pontos de entrega voluntária, os chamados PEVs — que deverão ser instalados preferencialmente em supermercados ou em outros pontos de fácil acesso ao público.

A obrigação do varejo é de apenas oferecer espaço nas lojas. Estima-se que 215 pontos como esses existam hoje no Brasil, boa parte em grandes redes de varejo. O objetivo é triplicá-los até 2018 — em Portugal, país muito menor do que o Brasil, esse número é quase 200 vezes maior. Boa parte dessa expansão deverá ser feita em varejistas menores, o que torna a tarefa mais complexa para a indústria.

No que se refere aos incentivos para que os consumidores saiam de casa com seu lixo reciclável nas mãos, alguns testes começam a ser feitos. A cervejaria Heineken, por exemplo, lançou nas lojas do Pão de Açúcar uma promoção em que oferecerá desconto de 30% a consumidores que retornarem 12 garrafas de vidro ou latas de qualquer marca aos PEVs da rede.

A duração será de 30 dias, com término previsto para 12 de fevereiro, e só será válida às terças-feiras. A empresa participa, desde 2014, de um programa de coleta de embalagens de vidro em bares, mas quer entender agora o que pode motivar o consumidor final. “Queremos verificar a eficácia de um incentivo como esse”, afirma Renata Zveibel, diretora de comunicação externa e sustentabilidade da Heineken.

Nesse sentido, o acordo prevê que a indústria fará campanhas massivas de comunicação, sem detalhes sobre prazos e valores envolvidos. “É preciso informar exaustivamente”, diz o português Ricardo Neto, da ERP Recycling Portugal, entidade de gestão de resíduos da União Europeia.

Em Portugal, uma política de gestão de resíduos vigora desde a década de 90 e, ainda hoje, o setor privado investe 2,5 milhões de euros por ano em propaganda sobre o descarte correto do lixo. Em 2018, verificar o sucesso dos esforços dependerá de relatórios produzidos pelas próprias empresas e de dados públicos sobre aterros e lixões.

Existe aí um problema básico: apenas 30% dos municípios brasileiros têm informações confiáveis sobre a natureza e o volume de seus resíduos, o que tornará a checagem dos dados mais difícil. Especialistas afirmam que essas falhas não devem ser motivo para que as empresas não se mexam.

“Esses dois anos serão destinados à experimentação e não caberá penalidade ainda”, afirma Fabricio Soler, advogado do escritório Felsberg e Associados, de São Paulo. Passado esse período, no entanto, multas poderão ser aplicadas.

Para as empresas, é importante mostrar que algo foi feito — até para evitar que o governo decida, a partir de 2018, tomar medidas mais draconianas. Se a indústria ficar para trás na corrida pelo lixo, também poderá acabar com um prejuízo nas mãos.

 



Veículo: Site Exame


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