Perda de fôlego do varejo aumenta estoque da indústria e dificulta retomada da economia

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O Brasil enfrenta um problema em cadeia diante da fraqueza da economia. Com um desempenho modesto do consumo e o desemprego ainda alto, o varejo está sem fôlego e compra cada vez menos da indústria, que sofre com um aumento indesejado dos estoques nos últimos meses. O resultado dessa combinação perversa é que uma retomada da atividade fica ainda mais distante.

 

Com o comércio comprando menos, a indústria vai ter de eliminar os estoques excedentes antes de retomar a produção para, dessa forma, voltar a contribuir com uma melhora da atividade econômica. Ao longo de 2019, o desempenho do varejo e do setor industrial tem decepcionado e analistas já projetam um crescimento abaixo de 1% para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano.

 

O volume de compras do varejo recua desde março, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Em junho, no último número apurado, atingiu o nível mais baixo desde setembro do ano passado.

 

A análise desse indicador mostra que o varejo chegou a apostar numa retomada da economia brasileira. Em janeiro e fevereiro, o volume de encomendas do setor para a indústria alcançou o maior patamar desde meados de 2013, portanto, antes de iniciada a recessão brasileira.

 

"Houve um avanço mais forte (do volume de encomendas) depois do período eleitoral, mas os dados fracos da economia acabaram frustrando esta expectativa", afirma o coordenador da sondagem do comércio do Ibre/FGV, Rodolpho Tobler.

 

Em São Paulo, no maior centro comercial do país, o movimento de ajuste é evidente. Há cada vez mais empresários optando por manter um nível de estoque abaixo do ideal por causa da fraqueza do consumo. Em junho, 13,7% dos empresários declararam estar com estoques abaixo do adequado. Em maio, eram 11,6%, segundo a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-SP).

 

"Todos os indicadores apontam para uma venda menor do que se esperava e os varejistas estão adequando os estoques para baixo. O empresário sabe que o cenário está ruim e está ajustando os pedidos, mas não é um bom sinal para a economia", diz Guilherme Dietzer, assessor econômico da entidade.

 

Dono de uma loja de uniformes na região central de São Paulo, Aldo Macri é um dos comerciantes que baixou a quantidade de produtos no estoque. "Tenho o suficiente para uns 15 dias, 20 dias do mês. Se a engrenagem voltar a andar novamente, eu quero ter para 60", diz.

 

Ele conta que vem enfrentando dificuldade de encontrar de pronta-entrega no mercado os itens que revende e também os tecidos e aviamentos que usa para confeccionar os artigos de produção própria.

 

"Não vejo lucro há dois anos, estou sobrevivendo. Não demiti nenhum funcionário, mas cortei muitas despesas. Baixei a margem de lucro, principalmente em licitações, tinha dois carros, agora só tenho um, reduzi os almoços familiares de fim de semana", afirma.

 

A empresa de Macri, a Jomal Uniformes, vende principalmente trajes militares, mas também fabrica calças e camisas para civis, peças para bandas e figurino para teatro e escolas de samba. O negócio foi fundado em 1973 pelos pais de Aldo.

 

"A hora é de redução de margem, preço baixo, promoção. O mais importante [para o varejista] agora é gerar fluxo de caixa, pagar fornecedor e tributos e se sustentar durante essa turbulência sem se endividar", diz Dietzer, da Fecomercio.

 

Estoque aumenta na indústria

 

Na cadeia de produção, a indústria sente diretamente o impacto dessa perda de dinamismo do varejo. A relação é direta: se as lojas encomendam menos, os produtos ficam encalhados nos fabricantes. Os estoques do setor já avançam há cinco meses e evidenciam esse cenário adverso, de acordo com Confederação Nacional da Indústria (CNI).

 

A entidade mede os estoques numa escala de zero a 100. Se o indicador ultrapassa os 50 pontos, é um indício de acúmulo de estoques em relação ao que foi planejado. Em maio deste ano, o indicador chegou a 51,6 pontos, maior patamar em um ano – só abaixo do apurado no mesmo mês do ano passado (53,3 pontos), quando a economia foi abalada pela greve dos caminhoneiros.

 

"A gente vê com alguma atenção este acúmulo de estoques", diz o economista da CNI Marcelo Azevedo. "Não é um crescimento absurdo, como ocorreu no pior momento da crise, mas é um impeditivo para uma recuperação mais forte da economia."

 

A indústria têxtil é uma das que mais sofre com o acúmulo de peças paradas. Em maio, o nível de estoques apurado pela CNI para o setor permaneceu em 56 pontos pelo segundo mês consecutivo. Além da desaceleração da economia, o setor sofreu com o imprevisto climático: o inverno menos rigoroso deixou boa parte das roupas mais pesadas encalhadas.

 

"Em janeiro e fevereiro, a economia foi mal, mas a partir de março a demanda ficou mais fraca e, além disso, o país tem um inverno fraco e que não está levando a uma reposições de peças de roupas", afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel.

 

Num cenário de tanta incerteza com o desempenho da economia, os empresários industriais têm sido obrigados a fazer um controle diário dos estoques diante do sobe e desce da demanda do varejo.

 

"Em abril, maio e junho, as vendas foram pífias, então é óbvio que eu acumulei estoques", afirma o diretor industrial da Darling Confecções, Ronald Masijah. "Tive de readequar o meu estoque em relação ao que eu prevejo que vai acontecer. Agora, estou diminuindo a produção um pouquinho neste momento porque eu tenho estoque."

 

Masijah faz parte da segunda geração da família no comando da companhia, que produz lingeries. "A nossa empresa já existe há 70 anos e nunca vimos uma crise como a atual", diz o empresário.

 

Fonte: G1 - Economia


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