O salto teimoso do varejo

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                                Diante do pior cenário para o comércio nos últimos doze anos, empresas lançam um arsenal de estratégias para crescer em plena crise


Praticante de tênis desde a juventude, o empresário mineiro Sebastião Bomfim, presidente e fundador da Centauro, a maior rede de lojas de artigos esportivos da América Latina, sempre frequentou o Minas Tênis Clube, tradicional reduto do esporte de Belo Horizonte. Lá, viu os primeiros passos do tenista Marcelo Melo, atual campeão do prestigiado torneio de duplas de Roland-Garros, na França. O ano era 2006 e não passava pela cabeça do próprio Melo ir tão longe na carreira, mas Bomfim resolveu apostar nele. Propôs um patrocínio ao futuro campeão, então número 198 do ranking mundial de duplas.

No contrato, conceitos da meritocracia seriam os responsáveis pela maior remuneração do atleta. Ou seja, quanto mais alta fosse sua colocação, mais dinheiro Melo receberia do patrocinador. “Quando ele viu que tinha bônus para o primeiro lugar, não acreditou”, diz Bomfim. “Ameacei cancelar o patrocínio se ele não apostasse que poderia chegar lá.” Atualmente, Melo é o terceiro melhor tenista de duplas do mundo. E o dono da Centauro está dando pulos de alegria. A estratégia que Bomfim utilizou com o tenista é a mesma adotada por ele na condução dos seus negócios.

A companhia, que faturou R$ 2,6 bilhões no ano passado, surgiu em 1981 com a ambição de ser a número um do mercado. E conseguiu. Em 2015, mesmo em um período de forte turbulência econômica, a empresa planeja crescer cerca de 10%. Mais: estão nos planos de Bomfim a abertura de cinco novas lojas e a criação de mil empregos. Apesar dos números positivos, o clima é de cautela. Neste ano, o investimento da Centauro cairá 30% em relação a 2014, a R$ 85 milhões. “Estamos bem, mas, como no esporte, sabemos que não podemos partir com tudo para o ataque”, afirma o empresário.

“É necessário manter os pés no chão para não perder dinheiro", diz, pouco antes de posar para as lentes da DINHEIRO fazendo exatamento o oposto – em épocas de crise, a cautela é necessária, mas quem fica parado perde mercado. Após doze anos de crescimento, o varejo brasileiro fechou o primeiro quadrimestre de 2015 no negativo. Segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC) o chamado varejo restrito, que não inclui setor automotivo e materiais de construção, apresentou queda de 5,4% nas vendas de janeiro a abril. Já no varejo ampliado, o recuo foi ainda maior: 6,1%.

A situação não poderia ser diferente. Para recuperar a confiança de investidores e tentar retomar o caminho do crescimento do PIB, o governo Dilma, com a equipe do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, à frente, está mudando a condução da política econômica que, desde 2003, incentivou o consumo. A classe C, grande beneficiária das medidas adotadas anteriormente, se deparou com um cenário instável e desanimador. “Com a farra do crédito e com o real valorizado, o consumidor da classe C passou a ter acesso a vários produtos”, diz Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

Agora, com a taxa SELIC em 13,75%, o maior nível desde 2006, e os bancos sendo mais seletivos na concessão de crédito, o cenário mudou. Para não haver perdas na última linha do balanço, os varejistas precisaram ser criativos. No caso da Centauro, a saída foi apostar em marcas próprias de vestuário, que proporcionam margens maiores, e no corte de custos internos, com a implantação de uma logística mais azeitada e a convergência entre as lojas físicas e a plataforma online. “O varejista que faz a mesma coisa há dez anos não tem futuro”, diz Bomfim.


nvestir em novidades e reduzir custos não foram medidas encontradas apenas por Bomfim. Uma análise realizada pela equipe da agência de risco Fitch apontou que, embora alguns segmentos tenham sido menos afetados que outros, os varejistas, em geral, estão buscando novas estratégias para se adequar ao momento macroeconômico. “Deparamo-nos com liquidações antecipadas, lojas sendo reformadas para atrair mais público, reposicionamento de marcas”, diz Gisele Paolino, diretora da Fitch.

EFEITO COPA Foi exatamente essa a estratégia que o Magazine Luiza, segunda maior varejista de eletrônicos e utilidades do lar do País, precisou abraçar. A empresa comercializa alguns dos produtos cujas vendas mais caíram. Geladeiras e televisores de última geração, por exemplo, tiveram uma queda de 4%, nos últimos doze meses. Diante de um cenário desafiador, a companhia comandada pela empresária Luiza Trajano, viu sua receita ficar estável nos primeiros três meses deste ano. Já o lucro despencou 86% no mesmo período, para R$ 2,9 milhões.

De acordo com Marcelo Silva, superintendente do Magazine Luiza, o resultado negativo foi puxado pela base de comparação de 2014: a Copa do Mundo turbinou, principalmente, a venda de televisores e as lojas faturaram 25% a mais. “Agora, a situação é diferente e temos de fazer mais com menos”, afirma Silva. Por isso, a aposta é investir mais em marketing e aproveitar o período de vacas magras para ganhar participação de mercado. Serão abertas até 50 novas lojas, metade das quais no Nordeste. “Não podemos deixar de fazer o dever de casa, pois os concorrentes continuam fortes”, diz.

Inflação e desemprego em alta. Aumento, também, nas tarifas de energia, combustível e transporte. A lista de fatores que prejudicam o varejo parece interminável. Quem nada de braçada nesse cenário, no entanto, são os vendedores de artigos de primeira necessidade, como alimentos e remédios. Embora tenha sofrido desaceleração, o segmento de medicamentos e cosméticos, por exemplo, cresceu 12% nos últimos doze meses. A cearense Pague Menos, do empresário Deusmar Queirós, deve crescer acima da média, ao redor de 17%, com vendas de R$ 5,2 bilhões. Para alcançar essas cifras, serão investidos R$ 150 milhões na abertura de 90 lojas próprias e na contratação de dois mil funcionários.

A empresa deverá fechar o ano com mais de 800 pontos de venda. “Tenho maior risco abrindo lojas próprias, mas sei que vou ter maior ganho com isso”, afirma Queirós. “Eu acredito no Brasil e tenho de estar ainda mais preparado para quando ele voltar a crescer.” A estratégia de abertura de lojas, segundo especialistas, faz todo o sentido para a área em que a Pague Menos atua. “As pessoas não pesquisam preços em farmácias, elas simplesmente vão à mais próxima”, afirma Douglas Carvalho, dono da consultoria Target, especializada em varejo. As farmácias também não precisam se preocupar com o humor dos clientes.

Afinal, nunca faltará quem compra remédios. Para os demais segmentos, contudo, a queda na confiança do consumidor, principal termômetro do varejo, nunca preocupou tanto. Abalada tanto pela crise política, quanto pela instabilidade econômica, segundo dados de junho da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), a confiança do consumidor atingiu o menor nível do ano, com 90,6 pontos, em uma escala que vai de zero a 200. “Temos um problema interno e uma crise institucional instalada”, diz Claudio Felisoni, do IBEVAR, especializado em varejo.

“O momento de vacas gordas passou.” Para virar o jogo, garantir a lucratividade e não arriscar demais, grandes varejistas estão adotando estratégias que vão desde a busca por aluguéis de lojas mais baratas, até a escolha cirúrgica dos planos de abertura de novas unidades. Exemplo disso é a Riachuelo, uma das maiores empresas de moda do País. Dona de um faturamento de R$ 4,7 bilhões, em 2014, a companhia teve de pisar no freio e deve inaugurar menos lojas do que as previstas para 2015. O motivo? Adiamento de projetos de shoppings.

Como 90% de suas lojas são abertas em shoppings centers, a companhia se viu impossibilitada de inaugurar as 40 unidades planejadas até dezembro, reduzindo o montante para um pouco menos de 30. Segundo Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, embora o cenário tenha prejudicado as metas atuais, o plano de expansão de médio prazo não será afetado. “Mesmo em um momento desafiador, quebramos o recorde e investimos R$ 550 milhões neste ano”, diz. Para não perder mercado e consumidores, a estratégia do empresário tem sido manter os investimentos e promover ações de marketing para fortalecer as marcas.

“Rejuvenescemos nossa posição no mercado, o que abriu muitas portas para nós”, diz Rocha. “Hoje somos uma das marcas mais valiosas do Brasil.” Já a rede americana de hipermercados Walmart, que faturou R$ 29,6 bilhões no Brasil, em 2014, resolveu investir pesado no mercado que vem sendo mais resiliente à crise. No ano passado, enquanto o PIB do Brasil ficou em minguado 0,1%, o Nordeste teve uma aceleração de 3,7%. Por isso, a empresa investirá R$ 310 milhões, na abertura de quatro novos hipermercados na região com a bandeira Bompreço, adquirida em 2004.

Outra estratégia adotada pela companhia será a realização de uma nova campanha para aumentar a confiança de seus clientes. De acordo com a vice-presidente Adriana Muratore, o Walmart pesquisou os novos hábitos de sua clientela nos últimos três meses e mudou a abordagem na conquista de novos clientes. “Agora, queremos mostrar ao consumidor como ele pode economizar comprando”, diz a executiva. Poucos setores são tão emblemáticos como o de construção civil durante a crise, ainda mais com as consequências provocadas pelo desdobramento das investigações da operação Lava Jato.

O acumulado das vendas de maio de 2014 a abril deste ano exibe uma queda de 2,6%. Na contramão do mercado, a Telhanorte, controlada pelo grupo francês Saint-Gobain e que não revela números de faturamento da operação brasileira, estima crescer 8% em 2015, com a abertura de quatro novas unidades. O investimento na expansão da rede será de R$ 80 milhões. A empresa, que cortou gorduras melhorando processos de venda e logística, contudo, quer se diferenciar pelo atendimento. Segundo o diretor geral da varejista, Manuel Correa, a Telhanorte espera que o seu projeto batizado de “Escola de Vendas”, em vigor desde 2006 e que treina três mil funcionários por ano, consiga estimular a clientela a reformar suas residências.

“O consumo na nossa área é mais racional, por isso os clientes precisam de um acompanhamento cada vez mais especializado”, afirma Correa. A desvalorização do real ante o dólar e o euro impactou diretamente nos resultados de importadores e de empresas com negócios relacionados ao exterior. A despeito desse quadro, a CVC, a maior operadora de turismo do País, não sentiu tanto os efeitos das moedas estrangeiras no seu balanço. Ao contrário. A receita líquida da companhia cresceu 12,9% no primeiro semestre deste ano, a R$ 2,5 bilhões, enquanto o volume de passageiros transportados aumentou 16,6%.

“As pessoas se acostumaram a viajar e vão continuar guardando o seu dinheiro para isso”, afirma Luiz Eduardo Falco, CEO da CVC. Para estimulá-las, a companhia se mexeu. Alterou pacotes de viagens, criou opções para estadias menores e continuou a expansão geográfica. “Vamos abrir 100 novas lojas e criamos pacotes que custam o preço de uma pizza de mussarela, a R$ 59 mensais”, diz Falco, que garante não ter perdido a confiança na retomada do crescimento do País. “Estamos tendo de suar para ganhar a mesma coisa de outros tempos, mas sabemos que o futuro recompensará esse esforço.”



Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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