Pães artesanais ganham espaço em São Paulo

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É de bom tom carregar uma bebida ou a sobremesa quando se vai jantar na casa de um amigo. Mas agora é o pão que ganhou status de iguaria e passou a ser a oferta mais prestigiada nas confraternizações. Quem se oferece para levar sabe que a assinatura no saquinho tem seu peso.

 



"Quanto mais as pessoas viajam, mais descobrem o sabor, o aroma e a 'crocância' de um verdadeiro pão. E passam a cobrar, reconhecer e valorizar a qualidade e origem", diz Rogério Shimura, proprietário da Levain Escola de Panificação e Confeitaria (rogerioshimura.wordpress. com) e de uma padaria industrial, em São Paulo.

Grande parte dos padeiros mais prestigiados da cidade de São Paulo, diz Shimura, foram seu alunos, como Julice Vaz (Julice), Izabel Pereira (Marie-Madeleine) e Pedro Calvo (Santo Pão), e agora se tornaram professores da escola. Em um ano e meio da inauguração, a Levain já computa 1,3 mil alunos.

O curso de formação de 220 horas já está na oitava turma. E os pupilos não se concentram só em São Paulo. "Cerca de 80% dos alunos são de outros Estados. Há um interesse genuíno em todo o Brasil", diz Shimura, que também presta consultoria pelo país, no Japão e agora nos Estados Unidos. "Já dá para dizer que os pães melhoraram por aqui de uma forma geral e que as padarias artesanais não são uma moda. Elas vieram para ficar", afirma.

Aberta no bairro paulistano dos Jardins, em março, a Santo Pão (www.santopao.com.br) começou com uma cozinha com capacidade para 1,6 tonelada de pão. Há pouco mais de um mês a estrutura foi ampliada e precisou ocupar um prédio próprio. A capacidade total agora subiu para 25 toneladas.

À frente dos fornos está Pedro Calvo, que fez a fama dos pães e "croissants" disputadíssimos na região. "As pessoas achavam que pão de fermentação natural era massudo e seco. Hoje, com mais gente investindo na qualidade dos ingredientes e na qualificação da mão de obra, a percepção está mudando porque mais e melhores produtos estão disponíveis para o consumidor", diz. Segundo Calvo, quanto melhor a qualidade, mais "soft" será o pão. "Com o 'levain' [fermento natural], o processo de fermentação é mais lento, e o pão adquire mais sabor. Ele fica com mais alvéolos [furinhos] e, por isso, mais leve."

Calvo se juntou a um grupo de investidores (sócios também do restaurante Bagatelle, como Caio Melare e Guilherme Chueire) para replicar o Santo Pão pelo país. A atual loja de 200 m2 terá versões compactas (30 m2) que poderão se localizar até mesmo em shoppings. "Equipamos a cozinha central para ampliar o modelo de negócios e no ano que vem queremos ter quatro lojas 'express' em São Paulo", diz Melare.

O grupo considera também a possibilidade de outros modelos para crescer. "Pode ser até mesmo um 'food truck'", diz Chueire. Hoje, a cozinha da Santo Pão está produzindo quatro toneladas/mês, mas a previsão é dobrar até dezembro. Deste total, 80% das fornadas seguem para restaurantes. "Os cliente querem pães de qualidade também nos restaurantes, e este é um mercado muito importante para as padarias artesanais", diz Chueire.

A padaria Mr. Baker (r. Pedroso Alvarenga, 655, Itaim Bibi, SP, tel. 11 3078-0045) passou por uma verdadeira maratona, por exemplo, para ter seus pães aceitos no restaurante que o chef britânico Jamie Oliver pretende abrir ainda neste ano em São Paulo. "Eles investigaram a origem dos nossos ingredientes e os fornecedores e fizeram testes de laboratório para garantir que nossos pães são realmente orgânicos e que não há sofrimento animal no processo. Fora, claro, as tentativas de se chegar ao sabor ideal", afirma Dennis Russel, um dos sócios.

Aberta há dois anos no Itaim Bibi, o lugar permanece lotado, mesmo depois da ampliação feita há dois meses no salão, agora com 40 lugares. Tudo ali foi intuitivo. Russell morou na Califórnia muitos anos e trouxe de lá o desejo de montar um negócio que envolvesse bem-estar.

"Quando encontramos o ponto no Itaim, minha mulher pensou numa escola de ioga, mas depois decidimos pelo ramo da alimentação. Pensamos melhor e achamos que uma padaria orgânica seria o melhor caminho", diz Russell. Chamaram para sócio o padeiro Gilson Santos, que passou pela Dona Deôla, Empório Santa Maria e Le Bon Pain, na Bélgica.

"Investimos num profissional reconhecido e em ingredientes de qualidade. É difícil achar fornecedores de orgânicos. No fundo, fiz tudo pensando no que eu queria comer", diz Russell em tom de brincadeira. A Mr. Baker foi eleita a melhor padaria da cidade neste ano pela votação da revista "Veja São Paulo".

A Mr. Baker é pintada de preto e tem vigas aparentes e uma mesa coletiva, portanto nada da ambientação tradicional de padaria brasileira ou o modelo "boulangerie" já implantado na cidade. É "diferente", mas Russell e seus atuais sócios, como Flávia Menezes, não querem mesmo ter uma rede de padarias. "Isso aqui é um showroom. Quero cada vez mais fornecer para restaurantes e 'caterings'. Já temos clientes exclusivos, como as lanchonetes Dog Haus e Butcher's Market. E agora, com o Jamie Olivier, a demanda deve aumentar."

Um dos clientes mais inusitados para Russell, contudo, são outras padarias. Isso mesmo, padaria fornecendo para padaria. "São aqueles modelos tradicionais que estão percebendo que seus consumidores querem produtos mais sofisticados, mas não têm a mão de obra para fazê-los. O dono de uma delas em São Bernardo disse que a margem de lucro dele é maior hoje, comprando da gente."

Entre os estudantes da escola de Shimura, por sinal, há donos de "padocas" antigas que resolveram aprender a sovar a massa. "O foco agora é na qualidade e nos processos. Você teve a onda das padarias com salões sofisticados, mas tão mal planejadas que as assadeiras não passavam pelos corredores da cozinha. Hoje, o pão tem que fazer a diferença, como era antigamente. É o consumidor que está exigindo", diz o professor.

Shimura presencia todas essas mudanças no mercado de panificação desde a década de 80, quando seu pai comprou uma padaria em Atibaia, interior de São Paulo, e depois ele mesmo empreendeu na cidade. Shimura foi estudar na França, se tornou uma estrela televisiva, deu aula nas principais faculdades de gastronomia do país e foi sócio de Alex Atala na padaria Em Nome do Pão até montar sua própria escola e sua padaria industrial.

"Hoje há um resgate do pão. Até mesmo os fabricantes das massas pré-prontas que dominaram o mercado vêm até a minha escola para melhorar a qualidade do preparo que fazem", diz. "Todas essas movimentações têm impacto no mercado, e novos modelos de consumo e de negócios vão surgindo." Ele próprio desenvolveu um "croissant" congelado que pode ser assado no forninho elétrico e está negociando com supermercados e empórios para vender ao consumidor final.

A engenheira Elizabeth Viveiros, por exemplo, deixou o emprego numa das companhias mais disputadas pela nova geração, o Google, para assar pão de fermentação natural em seu apartamento. Começou atendendo os amigos e vizinhos. "Eles vieram pelo cheiro", diz. E em fevereiro deste ano montou sua padaria virtual.

As encomendas no site da Beth Bakery (www.bethbakery.com.br) são feitas durante a semana, mas ela assa tudo na quinta-feira e faz as entregas só às sextas. "Assim todo mundo tem pão fresco no fim de semana, sem precisar sair de casa." No começo, restringia a oferta a seu bairro, a Vila Mariana, mas a demanda cresceu e ela ampliou a atuação. Agora, ela procura um ponto para montar uma cozinha e aumentar a produção.

"Toda semana me liga alguém de um novo bairro pedindo para que eu entregue cada vez mais longe. Isso mostra que o desejo por um pão feito com qualidade e mais atenção existe em toda parte." Uma vez por mês ela se arrisca em novos produtos. Na última semana, fez um pão com farinha de uva e macadâmia. Nas sacolinhas, vai a mensagem de sua vocação recém-descoberta: "Contém amor".



Veículo: Valor Econômico


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