Por que Cutrale, o rei da laranja, precisa de bananas

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Paul Kiernan e Rogerio Jelmayer | The Wall Street Journal



A oferta do Grupo Cutrale, feita na semana passada, para adquirir a Chiquita Brands International colocou o discreto "Rei da Laranja" do Brasil no centro das atenções.

É um lugar onde José Luis Cutrale nunca gostou de estar.

Aos 68 anos, o chefe da gigante paulista do suco de laranja, de propriedade familiar, é tido por alguns como um dos homens mais ricos do Brasil, mas não é encontrado em nenhuma lista de bilionários. Ele evita a publicidade, raramente é fotografado e tem obsessão por segurança. Segundo relatos da imprensa, ele vive com sua família em uma propriedade murada na zona rural do Estado de São Paulo, cercado pelos laranjais que o ajudaram a enriquecer. Cutrale, que raramente fala com jornalistas, se recusou, por meio de um porta-voz em Nova York, a conceder entrevista para este artigo.

Embora a família possua uma fábrica de sucos em Portugal e seja um dos maiores nomes do ramo na Flórida, o centro dos negócios ainda está no Brasil. A Cutrale é uma das três empresas com operações no Brasil que controlam cerca de 80% do mercado mundial de suco de laranja. Especialistas avaliam que a Cutrale, que registrou exportações de US$ 1,7 bilhão no ano passado, é a segunda maior produtora brasileira, atrás da Citrosuco, também sediada no Brasil, e à frente do conglomerado francês Louis Dreyfus Commodities.

Cutrale saiu de sua zona de conforto ao fazer uma proposta para comprar a Chiquita, a gigante das bananas. Para fazer a oferta, que avalia a empresa em cerca de 1,2 bilhão inclundo dívidas, segundo o escritório de advocacia Cravath, Swaine & Moore LLP, a Cutrale se uniu ao Grupo Safra, controlado por Joseph Safra, o segundo homem mais rico do Brasil, de acordo com a Forbes. A intenção era frustrar um acordo de fusão existente entre a Chiquita e a irlandesa Fyffes PLC, uma transação que pode criar o maior distribuidor de bananas do mundo.

Na quinta-feira, a Chiquita rejeitou a oferta não solicitada, considerando-a "inadequada" para os interesses dos acionistas. A Cutrale e o Safra afirmaram em uma declaração que "a decisão do conselho é uma continuação do histórico de destruição" de valor para os acionistas e que estavam "extremamente decepcinados".

Grandes mudanças no setor parecem motivar Cutrale. Produtores da Flórida e do Brasil vêm lutando contra o "greening", doença que reduz a produtividade e acaba matando as árvores. Além disso, o suco de laranja tem perdido mercado, à medida que alternativas como bebidas energéticas e cafés sofisticados atraem consumidores mais jovens.

"O mercado de suco de laranja está saturado e vem caindo, e é por isso que a Cutrale quer diversificar", diz Marcos Fava Neves, professor de estratégia da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, que já trabalhou em projetos com a indústria cítrica brasileira. "[A Chiquita] é uma marca próxima do consumidor final. Hoje, a Cutrale só é conhecida pelos atacadistas, não pelos consumidores."

Nos últimos anos, algumas empresas brasileiras vêm procurando crescer no mercado internacional abocanhando marcas estrangeiras bem conhecidas. Jorge Paulo Lehmann, o homem mais rico do Brasil, faz parte do grupo que controla hoje o Burger King e a H.J. Heinz Co. A gigante de alimentos JBS SA comprou empresas como a Pilgrim's Pride e a Swift Co., tornando-se o maior frigorífico do mundo.

A banana pode ser um produto novo para a Cutrale, mas os que criticam a empresa dizem que as táticas agressivas não são novidade. Flavio Viegas, presidente de uma associação de produtores de cítricos, diz que a Cutrale, a Citrosuco e a Dreyfus formam praticamente um cartel que mantém o preço da laranja artificialmente baixo, acusação negada pelas fabricantes de suco. Uma investigação sobre as alegações aberta em 1999 ainda aguarda uma decisão das autoridades.

Viegas diz que já se sentou muitas vezes à mesa para negociar com o pai de Cutrale, José, falecido em 2004. Segundo ele, o atual diretor-presidente da Cutrale acompanhava o pai nas reuniões, mas "não abria a boca". "José Luis é uma pessoa extremamente fechada", diz Viegas, que preside a Associtrus, em Bebedouro, no interior de São Paulo. "Troquei poucas palavras com ele."

Promotores brasileiros dizem que já abriram 286 investigações sobre as práticas trabalhistas da Cutrale desde 1997, resultando em dezenas de processos. As autoridades já acusaram a empresa de diversas violações, incluindo o uso de trabalho escravo e de alojar colhedores de laranjas em condições desumanas. Num processo em andamento, a Cutrale e dois outros fabricantes de suco são acusados de usar mão de obra terceirizada de forma ilegal para cortar custos. A Cutrale não quis comentar sobre o caso, mas entrou com pedido de recurso. Se ela perder, poderá ter que pagar R$ 37,5 milhões para cobrir danos.

Um porta-voz da Cutrale disse que as alegações de irregularidades trabalhistas "não têm mérito, e estamos nos defendendo vigorosamente. A Cutrale está em conformidade com todas as exigências aplicáveis".

A Cutrale também já enfrentou dezenas de violações das normas de segurança do trabalho nos Estados Unidos. Desde 1997, quando comprou duas fábricas de suco que eram da Minute Maid, na Flórida, a empresa já foi autuada por 42 violações "graves" e sete violações repetidas pela Agência de Segurança e Saúde Ocupacional dos EUA, pagando US$ 122.765 em acordos. A Cutrale não quis comentar.

Segundo relatos da mídia, o falecido fundador da empresa, José Cutrale, era filho de um imigrante siciliano que vendia cítricos. A família comprou laranjais em São Paulo e aos poucos construiu seu império com a ajuda de geadas periódicas que matavam os laranjais da Flórida e criaram demanda pelo suco brasileiro.

A família Cutrale e seus negócios ainda estão centrados perto de Araraquara, no interior de São Paulo. Um funcionário do município, que não quis ser identificado, disse que a Cutrale doa suco de laranja para creches locais, mas não busca publicidade para essas doações. Disse ainda que a família Cutrale é conhecida pela sua obsessão com segurança. Os membros da família evitam viajar no mesmo carro ou avião, e seguranças particulares os acompanham a todo lugar e inspecionam qualquer evento antes da chegada de um deles.

Um porta-voz da Cutrale não quis confirmar ou negar quaisquer detalhes sobre a família ou suas atividades, dizendo que essa discrição é "uma das bênçãos de ser uma empresa privada."

   

Veículo: Valor Econômico


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