Comércio com a China deve ser revisto

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Ao negociar com chineses, países latino-americanos deverão agir multilateralmente. Negociações bilaterais dão a Pequim uma maior margem de manobra


Michel Temer deve visitar a China como presidente pela primeira vez em 4 de setembro para a Cúpula do G-20. E tudo indica que essa viagem ocorrerá em meio a cada vez mais sérias dúvidas sobre as práticas comerciais do gigante asiático e a iminente decisão da OMC sobre seu status de economia de mercado. Em nenhum lugar do mundo as implicações serão tão graves como no Brasil e na América Latina.

Está documentado o altíssimo grau de intervenção estatal na indústria chinesa. O protocolo de adesão do país à OMC prevê a aplicação de medidas corretivas, como direitos compensatórios e antidumping, para aliviar o impacto nocivo dos subsídios à exportação chinesa aos países importadores. Porém, em dezembro acabará o prazo de validade desta cláusula, e então caberá aos estados-membros da OMC decidirem se reconhecerão a China como economia de mercado. Tal reconhecimento implica desistir de direitos às medidas corretivas.

Como seus vizinhos latino-americanos, o Brasil depende em grande parte das exportações de commodities — e da demanda voraz da China pelas mesmas — como motor do seu crescimento econômico. Contudo, apesar de o comércio bilateral ter aumentado nas últimas décadas, a composição deste comércio — e a atividade econômica brasileira em geral — vem apresentando tendências preocupantes.

O Centro Adrienne Arsht para a América Latina do Atlantic Council — instituição de pensamento americana não partidária especializada em temas internacionais — publica esta semana um relatório analisando o papel da China no desenvolvimento industrial da região. O texto, alvo de debate público no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio, amanhã, documenta a recente desindustrialização das economias latino-americanas e demonstra que a concorrência das exportações baratas chinesas tem contribuído para este fenômeno. Nossos dados indicam que o eventual reconhecimento da China como economia de mercado tem potencial para danificar ainda mais a base de fabricação e exacerbar a dependência excessiva da exportação de matérias-primas.

Mas é possível evitar este cenário.

Ao negociar com a China, os países latino-americanos deverão atuar multilateralmente. As negociações bilaterais dão a Pequim uma maior margem de manobra e não têm rendido frutos. A Aliança do Pacífico e o Mercosul levaram adiante, no passado, suas próprias iniciativas econômicas com a China, mas, até hoje, não negociaram acordos comerciais como bloco.

Os governos devem considerar também acordos paralelos para garantir uma maior vigilância sobre as indústrias prejudicadas pela concorrência chinesa. Pequim deve comprovar que os preços no mercado interno correspondem aos preços em outros mercados. Os estados latino-americanos podem, então, reagir a quaisquer discrepâncias com a imposição de direitos antidumping. O Brasil e seus vizinhos poderiam ainda estudar outras ações corretivas sancionadas pela OMC, como direitos compensatórios e medidas de salvaguarda.

Os países da região se beneficiam das relações comerciais com a China, mas os termos destas relações têm lhes prejudicado. Dezembro e a decisão da OMC estão se aproximando, e a defesa contra as práticas comercias desfavoráveis já não estará garantida. Nossa avaliação sugere que a América Latina não reconheça o status de economia de mercado enquanto Pequim não demonstrar um compromisso de combater o excesso de capacidade e os subsídios à exportação.

A provável visita de Temer será uma oportunidade para abordar tais questões junto aos presidentes Mauricio Macri, da Argentina, e Enrique Peña Nieto, do México. A China é um parceiro comercial indispensável para a região. Mas, pela prosperidade econômica da América Latina, esta parceria precisará de novas regras.

 

Fonte: Portal O Globo


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