Entrevista com Neville Isdell - Ex-CEO da Coca-Cola

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"Nem eu conheço a fórmula secreta da Coca-Cola"

O executivo irlandês Neville Isdell já havia morado em cinco países e trabalhado por mais de 30 anos na Coca-Cola, quando decidiu se aposentar e mudar com a família para Barbados, no Caribe

Por Mariana Queiroz BARBOZA

O executivo irlandês Neville Isdell já havia morado em cinco países e trabalhado por mais de 30 anos na Coca-Cola, quando decidiu se aposentar e mudar com a família para Barbados, no Caribe. Foi lá que, entre partidas de golfe, recebeu um telefonema de Donald Keough, membro do conselho de administração do maior fabricante de refrigerantes do mundo, pedindo que ele voltasse ao batente. Era início de 2004 e Isdell achou que, como CEO e presidente do conselho, teria sua última chance de reerguer uma empresa centenária, que se arrastava desde a morte do ex-presidente Roberto Goizueta, em 1997. Nos cinco anos em que esteve à frente da companhia baseada em Atlanta, Isdell lançou o maior sucesso recente da marca – a Coca Zero – e criou um “Manifesto para o Crescimento”. “A Coca-Cola contou demais com os sucessos do passado”, afirma. “Com o manifesto, passamos a olhar para o futuro.” Aos 69 anos, Isdell lança seu livro Nos bastidores da Coca-Cola, que chega às livrarias do Brasil. Ele falou, por telefone, com exclusividade à DINHEIRO.

DINHEIRO – Para os jovens da geração Y é difícil entender como alguém pode dedicar tantos anos a uma só companhia. O que fez o sr. permanecer mais de 30 anos na Coca-Cola?
NEVILLE ISDELL – Simplesmente, eu gostava do que fazia. Nunca foi meu plano ficar numa só companhia toda a minha vida. Aconteceu. Eu estava numa empresa onde realmente amava o que fazia e recebi contínuas oportunidades. Durante os anos, recebi propostas para fazer outras coisas em outras empresas. Mas, quando avaliava essas ofertas contra as oportunidades que tinha dentro da Coca-Cola, dizia não.
 
DINHEIRO – Na década de 1980, o diretor financeiro John Collins avaliou que a empresa estava exposta demais a mercados internacionais e deveria crescer mais nos Estados Unidos. Hoje, os mercados emergentes são os que mais puxam o crescimento da empresa. O que mudou nesse tempo?
ISDELL – Fundamentalmente, ele estava errado. Essa afirmação foi feita num momento em que o dólar americano estava extremamente forte. Portanto, os ganhos vindos de países estrangeiros estavam em queda. Ele não achava que os investimentos eram bons. Collins estava muito errado. E isso mudou muito rapidamente. A força da Coca-Cola hoje está baseada numa estratégia completamente diferente da de voltar para os EUA. O foco está nos emergentes.
 
DINHEIRO – O sr. diz acreditar que, “quando o Bom Deus criou o mundo, Ele fez a Coca-Cola em primeiro lugar e, em segundo lugar, a Pepsi”. Essa visão mística da Coca não é exagerada?
ISDELL – Não, não é. Nossa marca é, fundamentalmente, importante para a força dos negócios. Todos os estudos e pesquisas que avaliam a percepção da Coca-Cola entre os consumidores e a percepção de qualquer outro concorrente mostram uma vantagem enorme para a Coca. Isso não é uma coincidência.
 
DINHEIRO – O sr. trabalharia para a Pepsi em alguma hipótese?
ISDELL – Não, eu jamais faria isso. Não conseguiria vestir a camisa da concorrência, porque não acredito no produto deles. Seria como atravessar a fronteira para o outro lado de um jeito que não é aceitável.
 
DINHEIRO – Quando foi a última vez que o sr. tomou uma Pepsi?
ISDELL – A última vez que eu bebi uma Pepsi foi em 1982, durante uma reunião com minha equipe de gerentes nas Filipinas. Foi um dia em que todos vestimos camisetas com o logo da concorrência e tomamos Pepsi. Havia propagandas da Pepsi decorando a sala, o que criava um ambiente em que nós éramos a Pepsi-Cola das Filipinas tentando descobrir como atacar a Coca-Cola. Esse é um método que usei para olharmos para nossas próprias fraquezas com a visão do concorrente. É interessante, porque as pessoas se abrem e fazem críticas sobre seus próprios negócios que não fariam numa situação cotidiana.
 
DINHEIRO – A Coca-Cola é uma empresa icônica e ainda hoje o valor de sua marca (US$ 74,2 bilhões, segundo o ranking BrandZ) supera o de empresas de tecnologia, como a Apple e o Google. Como a Coca consegue manter esse status depois de
tantos anos?
ISDELL – Bem, o fundamental é que acreditamos integralmente na marca. E essa é uma marca que basicamente espalha alegria pelo mundo. A Suprema Corte americana uma vez fez um pronunciamento dizendo que “a Coca-Cola é algo decente produzido de forma honesta”. A integridade e os valores da companhia não mudaram em 127 anos e isso é importante.
 
DINHEIRO – Em 1999, quando a Coca passava por dificuldades financeiras, mais de cinco mil pessoas foram demitidas, mas o sr. diz que as demissões não foram bem executadas e elas abalaram o moral da empresa. É possível mandar tanta gente embora sem parecer um “exercício de corte de cabeças”?
ISDELL – Acho que sim. Um exercício de cortar cabeças é errado. O que se tem que fazer é reduzir trabalho. Porque é redesenhando como se faz as coisas que se sabe qual trabalho não se necessita mais. O resultado é que as pessoas perdem seus empregos. A única maneira de fazer isso apropriadamente é reduzindo o trabalho e é quando você consegue diminuir o número de empregados sem ter um efeito negativo na forma como a empresa opera, com exceção do moral. Porque demissões em massa sempre afetam negativamente o moral. O que a Coca fez em 1999, na minha visão, não foi cortar trabalho. Tanto que a empresa teve de contratar prestadores de fora para fazer aqueles trabalhos, então o custo não sumiu. Foi uma redução efetiva de cabeças, mas não de custos de produção.
 
DINHEIRO – O sr. diz que o “Manifesto para o Crescimento” foi o que cimentou a revitalização da Coca-Cola a partir de 2004. Como os empresários podem adaptar essa ideia para seus negócios?
ISDELL – Acredito que as pessoas subestimam o grau em que os funcionários que trabalham numa organização sabem o que há de errado com ela. O processo de elaboração do manifesto envolveu muitas pessoas. O ponto de partida é identificar quais são os problemas. Os funcionários eram parte desse processo de tomada de decisão. A lição que fica é: se você puder, tente envolver e engajar o maior número possível de pessoas, em vez de contratar uma consultoria externa. Terceirizar a função de repensar as estratégias da empresa seria uma forma não muito adequada de resolver os problemas.
 
DINHEIRO – O sr. diz em seu livro que o capitalismo é a forma mais poderosa de ajuda estrangeira. Como governos e empresas podem trabalhar juntos para melhorar a vida das pessoas?
ISDELL – O que podemos fazer é basicamente olhar para as barreiras que travam a abertura de oportunidades para que empreendedores individuais e negócios possam prosperar. A primeira vez que fui ao Brasil foi durante o governo militar, nos anos 1960, e é impressionante o progresso que o País teve ao abrir sua economia, encorajando os empresários a investir, criando empregos e tirando as pessoas da pobreza. O Bolsa Família foi parte disso também. O governo pode ter políticas para ajudar os menos privilegiados, sem deixar de abrir sua economia.
 
DINHEIRO – O sr. teve desentendimentos com alguns executivos da Coca-Cola durante sua carreira e chegou a dizer que o ambiente na matriz em Atlanta era “altamente tóxico”. Isso é algo exclusivo da Coca ou é comum a todas as grandes corporações?
ISDELL – Isso é comum a todas as organizações que se possa imaginar, não só empresas. Acontece em governos e até em conselhos escolares. A questão é que, quando lidamos com seres humanos e poder, liderança, estratégia e relações interpessoais são elementos que podem fazer as coisas saírem do controle.
 
DINHEIRO – Como surgiu a ideia da Coca Zero? O lançamento dela foi seu maior triunfo como CEO?
ISDELL – De um ponto de vista de marca, sim, com certeza. Na verdade, antes de ter desenvolvido o sabor de uma nova bebida diet, tínhamos um excelente nome para ela: Coca Zero. Foi a formulação do produto, que utiliza o mesmo xarope da Coca-Cola clássica com os melhores adoçantes artificiais disponíveis em cada país, que fez da Coca Zero um sucesso.
 
DINHEIRO – Na sua avaliação, qual foi o pior erro de marketing que a Coca-Cola já cometeu?
ISDELL – Sem dúvida, foi lançar a New Coke (uma versão mais doce do que a original), em 1985. No fim, esse erro foi transformado em benefício, porque impulsionou as vendas da Coca tradicional, mas não era esse o objetivo. Não há dúvida de que essa história será contada durante séculos como os piores erros já cometidos pelas grandes corporações. Mas o maravilhoso nisso foi que a companhia, depois de seis semanas, percebeu que precisava mudar. Esse produto poderia ter destruído a Coca. As pessoas que estavam no comando na época tiveram a coragem necessária para recuar depois de apenas seis semanas.
 
DINHEIRO – O sr. diz achar injusto culpar a indústria de bebidas pelo aumento da diabetes e da obesidade no mundo. Por quê?
ISDELL – Esse é um problema multifatorial do qual os refrigerantes são apenas uma parte, e uma parte pequena. Digo isso porque temos opções. A Coca Zero é uma, a Diet Coke é outra. Oferecemos opções de zero caloria. Não é como se os refrigerantes fossem apenas bombas calóricas, eles não são. Então, quando as pessoas jogam toda a culpa na indústria de bebidas, é uma injustiça.
 
DINHEIRO – Os vídeos e as campanhas virais críticos a empresa que fazem sucesso nas redes sociais incomodam a Coca de alguma maneira?
ISDELL – Sim e não. Porque há algumas campanhas que têm efeitos positivos para a Coca-Cola, nem tudo é negativo. Temos milhões de fãs no Facebook. Agora, sempre temos que nos preocupar, porque muita informação que circula por aí é imprecisa. E temos que responder adequadamente.
 
DINHEIRO – Por que existe tanto mito em torno da fórmula secreta da Coca-Cola?
ISDELL – Porque é algo muito importante. Essa é provavelmente uma das fórmulas mais especiais do mundo. Portanto, ela é muito bem protegida, como deveria ser.
 
DINHEIRO – O sr. não teve acesso a ela nem quando era CEO?
ISDELL – Não, só as pessoas que a manipulam sabem. Não havia motivo para eu conhecê-la. Não sei a fórmula, juro, mas conheço os ingredientes.



Veículo: Revista Istoé Dinheiro


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