Brasileiro é mais ‘verde’ e incrédulo do que europeus

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Pesquisa com 2,7 mil pessoas de quatro países indica o crescente interesse pelo consumo ético

Os cariocas Adriana Lenzo, de 20 anos, Débora Victorino, de 37, e Wagner Monteiro, de 58, representam consumidores de três gerações diferentes. Mas, quando o assunto é fazer escolhas que agridam menos o meio ambiente ao ir às compras, parecem filhos de uma mesma época. São adeptos às sacolas retornáveis, em vez das plásticas, com tempo de decomposição superior a cem anos, e a produtos orgânicos cultivados sem agrotóxicos e fertilizantes químicos.

E, para o bem do planeta, já não formam um grupo de exceção, como mostra pesquisa inédita sobre consumo ético realizada pela Proteste — Associação de Consumidores, feita com 1,5 mil brasileiros e outros 1,22 mil europeus de Bélgica, Itália e Espanha. Em média, 83% dos pesquisados afirmaram ter comprado algum produto ecologicamente correto no último ano. Os brasileiros, com 86% de respostas positivas, se mostraram os mais preocupados em fazer a escolha mais sustentável.

Por outro lado, a pesquisa mostra que os consumidores do lado de cá do Atlântico são os mais desconfiados em relação à seriedade das empresas em suas atividades de responsabilidade social, ou seja, implementar ações que contribuam para uma sociedade mais justa. Entre os brasileiros, 81% concordam total ou parcialmente que as propaladas ações não passam de estratégia de marketing das companhias. No resultado geral da pesquisa, essa desconfiança foi apontada por 72% dos consumidores.

— Nunca vimos a palavra sustentabilidade ser tão trabalhada na mídia. Mas até que ponto tem nos ajudado a entender o que é de fato sustentabilidade? Todo mundo usa esse termo para vender mais, o problema é que na prática as empresas deixam a desejar — avalia Bernadete Almeida, coordenadora de Responsabilidade Social e Ambiental da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio.

Falta transparência às empresas

Uma pesquisa recente sobre o mesmo tema realizada pelo Instituto Akatu — Pelo Consumo Consciente reforça essa percepção. Apenas 8% dos pesquisados disseram acreditar no que as empresas dizem, índice menor que os 13% registrados no estudo anterior. E 44% simplesmente não acreditam. Para o diretor-presidente do Akatu, Helio Mattar, as redes sociais são as grandes responsáveis por aumentarem a desconfiança dos consumidores:

— Muitas empresas que não têm atividades expressivas na área de sustentabilidade e responsabilidade social divulgam ações muito pontuais e fragmentadas. E num mundo interconectado, de enorme visibilidade, as pessoas têm a possibilidade de fazer denúncias que acabam desmascarando a imagem que querem passar. As empresas precisam ser mais cuidadosas ao comunicar.

Mattar faz ainda ressalvas em relação à classificação de um produto como sustentável. Teoricamente, explica, o produto tem de ser sustentável desde a matéria-prima, passando pelo processo produtivo, transporte, uso e descarte:

— Por isso, não podemos dizer que exista um produto completamente sustentável porque vivemos numa sociedade insustentável. Um produto orgânico ao ser transportado pelo distribuidor em veículo que queima diesel já deixa de ser ecologicamente correto. O que temos são produtos mais sustentáveis do que outros.

Para Melissa Reis, coordenadora do Departamento de Estudos e Estatísticas da Proteste, há outros agravantes. A falta de transparência das empresas e a apresentação de comportamentos ambíguos ao divulgarem ações de responsabilidade social e depois se verem envolvidas em denúncias de destruição da Mata Atlântica, por exemplo, acabam manchando a imagem.

Classe média mais crítica

Apesar da dificuldade de se classificar produtos como sustentáveis e do custo mais alto que muitos itens pressupõem, parte dos brasileiros já identificou alguns “vilões” do meio ambiente e da vida nas cidades, como a fisioterapeuta Débora:

— Em dias de chuva, em enchentes, há muitas garrafas plásticas e sacolas boiando nas ruas. Materiais que poluem muito o meio ambiente e contribuem para a ocorrência de novas enchentes. Por isso, só vou ao mercado com sacolas retornáveis.

Bernadete avalia que o desconfiar das ações das empresas reflete a melhoria do grau de escolaridade da população, que tem uma classe média urbana mais esclarecida, crítica e atenta ao comportamento dos fornecedores:

— No entanto, apesar da lucidez dos consumidores, eles ainda tendem a punir pouco as empresas que têm más condutas ambientais.

Avaliação comprovada pela pesquisa da Proteste. Os brasileiros, junto com os belgas, são os que menos deixam de comprar produtos de companhias devido a práticas irregulares. Menos da metade, apenas 46% dos pesquisados de ambos os países, é adepto ao boicote. Em Itália e Espanha, o índice sobe para 55% e 54%, respectivamente.

O estudo da Proteste foi realizado de junho a agosto do ano passado, por meio do envio de questionários, por e-mail, a habitantes dos quatro países com idades entre 18 e 65 anos. Para aplicar a pesquisa na Europa, a entidade contou com o apoio da Consumers International — que reúne representantes de 220 entidades de todo o mundo — por meio das organizações de proteção ao consumidor associadas Altroconsumo (Itália), OCU (Espanha) e Test-Achats (Bélgica).



Veículo: O Globo - RJ


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