Bebida 100% brasileira, a cachaça quer ganhar o mundo

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                                 Terceiro destilado mais consumido do planeta, o desafio da cachaça é expandir suas fronteiras



Pinga, caninha, purinha, birita, branquinha, malvada. Os nomes para a principal bebida brasileira são na casa das centenas, mas é no conhecimento e, mais do que isso, no reconhecimento oficial do mais famoso deles, que a cachaça aposta para, finalmente, ganhar o mundo. Proteger a denominação como exclusivamente brasileira, como acontece na Colômbia, nos Estados Unidos e, em breve, no México, é demorado e trabalhoso, mas é visto pelo setor como a forma de alcançar melhores resultados na exportação.

O principal avanço nesse sentido aconteceu em 2013, com a proteção do nome cachaça nos Estados Unidos, hoje segundo maior destino em termos de valor. Antes disso, a venda era feita com a denominação "brazilian rum", produto também derivado da cana-de-açúcar que já possuía regulamentação. Quando foi ao país norte-americano no início dos anos 2000 para pedir a oficialização da bebida brasileira, a diretora de relações internacionais da pernambucana Pitú, Maria das Vitórias Cavalcanti, percebeu o quão demorado o processo poderia ser.

"Disseram que precisávamos ser reconhecidos como um produto típico brasileiro. Perguntavam 'vocês têm esse título no Brasil?'. Não tínhamos. 'Têm histórico de quanto vendem, o tamanho do mercado?' Também não. 'Então façam o dever de casa e depois venham para cá'. E isso durou 13 anos", conta Maria, que à época era presidente do Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Aguardente de Cana (Pbdac). As negociações culminaram no Decreto Presidencial 4.062/2001, que, além do reconhecimento oficial, abriu caminho para a fundação do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), em 2006.

"É um trabalho, antes de tudo, de estruturação do setor. Começou lá atrás, em 1997, com o Pbdac, e vem evoluindo em um processo de organização da casa", comenta Carlos Lima, diretor executivo do Ibrac, que agora capitaneia as negociações. Internamente, o desafio é lidar com um escopo de, estima-se, quase 15 mil estabelecimentos produtores, embora as cachaçarias formais não cheguem a 2 mil. E, no exterior, pela falta de um fórum com abrangência mundial, a negociação tem de ser feita país a país.

O trabalho de formiguinha começou a dar resultados práticos em 2012, com a proteção da cachaça na Colômbia. Um ano depois, houve o acordo com o governo norte-americano, quando foi acertada a troca do reconhecimento da cachaça pela proteção, no Brasil, das denominações Bourbon e Tennessee Whiskey. Além deles, há, ainda, um termo de compromisso assinado com o México em maio deste ano, quando a presidente Dilma Rousseff, em visita oficial ao país, oficializou o acordo de proteção da cachaça e da tequila nas duas nações.

O acerto é visto como um divisor de águas para a cachaça. "O reconhecimento do México ao nosso produto é um aval importante, e este recado está sendo repassado ao mundo", garante Lima, que desde 2008 participa da construção do acordo com o Conselho Regulador da Tequila (CRT). O acordo assume essa proporção porque o México, em virtude de sua atuação em defesa da tequila tanto no exterior quanto no mercado interno, é visto como um país rigoroso na aceitação de outros destilados.

Além servir de exemplo para as negociações brasileiras no exterior, o CRT também é admirado pelo setor da cachaça por ter poderes para, na prática, autorregular a mercadoria e o setor. "É como se o governo mexicano tivesse delegado aos produtores de tequila o controle e a regulamentação sobre o que é a bebida", comenta o executivo do Ibrac, que, embora classifique o governo brasileiro como um grande apoiador, ainda acusa a falta de um empoderamento desse nível por parte dos produtores de cachaça. "A denominação tequila tem 40 anos, e o CRT, 20 anos. Estamos há apenas uma década nesse processo. Estamos no caminho", projeta Lima.

Mercado segue tendência mundial de sofisticação de outras bebidas

Se no exterior o exemplo é a tequila, dentro do País quem serve de referência à cachaça é o vinho. Ações realizadas pelas vinícolas, como a criação de cartas, cursos de degustação e capacitação de bares e restaurantes passaram a integrar também o cotidiano das cachaçarias nos últimos anos.

"Aos poucos, com informação e maior poder de compra, o consumidor está migrando para cachaças mais elaboradas", atesta Moacir Menegotto, da Casa Bucco, de Bento Gonçalves, traçando um paralelo, também, com a ascensão das cervejas artesanais. Além de destacar os alambiques, o movimento é sentido com o lançamento de "cachaças premium" pelas maiores indústrias do País. Algumas delas, como a cearense Ypióca e a paulista Sagatiba, foram adquiridas recentemente por conglomerados globais (Diageo e Campari, respectivamente), o que avaliza o potencial do setor.

A simples observação das prateleiras da Cachaçaria do Mercado, em Porto Alegre, revela esta evolução. Se antigamente todas as cachaças usavam as mesmas garrafas de cerveja, aquelas marrons de 600ml, hoje há uma infinidade de cores e formatos entre os 500 produtos de todo o País à venda.

"A venda da cachaça de qualidade aumenta ano a ano", constata Oreste Gabardo, proprietário da loja, aberta em 2002 como complemento a outra, de vinhos. A procura foi tanta que fez com que a loja fosse expandida, em 2006, e, dois anos depois, o negócio de vinhos fosse abandonado. "O público foi se especializando e crescendo", conta.

Nos últimos anos, a entrada massiva no mercado brasileiro do próprio uísque, assim como a vodca, acenderam a luz de alerta no setor. A relativa novidade teria agravado a percepção de que a cachaça pudesse passar a uma condição marginal e de status inferior.

Ações como o lançamento, em julho, de cachaças licenciadas com a marca Playboy pela Weber Haus, por exemplo, tentam, além de tornar a bebida mais famosa no exterior, mostrar aos brasileiros esse novo momento da bebida. "São iniciativas que ajudam a perder o preconceito, algo que nos últimos anos estamos conseguindo", afirma Evandro Weber, diretor da empresa

Europa é prioritária para próximas negociações

Mesmo ainda arrumando a casa, a proteção da cachaça não pode parar. O próximo alvo é a comunidade europeia, maior importadora do nosso destilado e onde, atualmente, qualquer produto pode usar a palavra cachaça no rótulo. "Falta um regulamento de uso, que estamos fazendo há 15 anos e ainda não está pronto. Depois, ainda teremos de abrir as negociações, pois querem trocar a cachaça por 10 mil coisas. Não é tão simples", explica a diretora de relações internacionais da Pitú, Maria das Vitórias Cavalcanti.

Há, ainda, uma preocupação com a Austrália, que praticamente inviabiliza a cachaça por lá ao exigir que siga regras de envelhecimento do rum e já motivou reuniões entre os dois países. A obrigação de pelo menos dois anos em barris é restritiva porque a maior parte da bebida brasileira exportada é a branca, sem nenhum tipo de envelhecimento. "Seguimos trabalhando, também, com o Uruguai, e, principalmente, a China, onde estamos mais avançados. Acredito que podemos ter novidades ainda esse ano", agrega Evandro Weber, da gaúcha Weber Haus, também atuante no Ibrac.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), a pasta "trabalha para que os produtos típicos tenham um tratamento diferenciado nos acordos bilaterais, como a cachaça", além de vislumbrar grande potencial de crescimento das exportações da bebida "exclusiva e genuinamente brasileira".

Apex presta auxílio para aumentar exportações

O Brasil produz, atualmente, cerca de 700 milhões de litros por ano, que movimentam R$ 1,4 bilhão. Apesar disso, desse total, em 2014, apenas 10,1 milhões de litros foram exportados (menos de 2%, portanto), para 66 países. Mesmo assim, o número é um acréscimo de mais de 10% em relação aos anos anteriores e, até o fim de 2016, o objetivo é expandir em mais 8% as vendas.

A meta faz parte da segunda fase de projeto da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) para promoção comercial da bebida. O convênio, renovado em dezembro e com duração de dois anos, tem investimento de R$ 1,6 milhão da agência, além de contrapartidas das 41 empresas que aderiram - entre elas, duas gaúchas: Weber Haus, de Ivoti, e Velho Alambique, de Santa Tereza.

A iniciativa têm como países-alvo os Estados Unidos, o Reino Unido e a Alemanha, tradicionalmente o país que mais compra a cachaça brasileira. Como envolve também a participação em feiras e concursos, porém, não se limita a essas nações. "A cachaça, hoje, não perde para nenhum destilado mundo afora", defende Carlos Lima, diretor executivo do Ibrac, salientando as diversas medalhas ganhas no exterior, grande parte delas por cachaçarias gaúchas.

"A cachaça é das bebidas mais versáteis, pode ser consumida pura, fria, quente, com misturas. Temos diversas oportunidades para promovê-la", comenta o assessor de negócios internacionais da Apex, Eduardo Caldas. Um dos diferenciais é que, ao contrário de outros destilados que têm o carvalho como padrão, a cachaça é envelhecida em mais de 30 madeiras, o que lhe garante variedade de sabores.

A proteção do nome permite investir em marketing mais efetivo, que saliente a cachaça como um produto único. Com isso, a intenção é tornar a bebida conhecida, assim como já acontece com o seu principal drinque. "Já fui a mais de um lugar no exterior onde me disseram que não tinha cachaça. Aí, apontei a garrafa e disseram 'ah, isso é o que se usa para fazer caipirinha'", conta a diretora de relações internacionais da Pitú, Maria das Vitórias Cavalcanti.

A marca, que desde 1970 possui acordo com distribuidor alemão, é hoje responsável por 20% da exportação brasileira e está, ao lado da paulista 51, produzida pela Cia. Müller de Bebidas, entre as 25 marcas de destilados mais produzidas do mundo, segundo ranking do instituto de pesquisa IWSR. Ao todo, a cachaça só perde em consumo para a vodca e para o soju, bebida sul-coreana à base de arroz.



Veículo: Jornal do Comércio - RS


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